A música que ecoava no circuito de Le Sarthe, durante a volta de apresentação da edição 2018 das 24 Horas de Le Mans, daria o tom do que a Toyota enfrentaria nas 24 horas seguintes. O tema do filme “2001: Uma odisseia no espaço” do gênio Stanley Kubrick, que de forma lúdica era a música perfeita para a ocasião.
Presente no WEC desde o seu ressurgimento em 2012, a Toyota passou de azarada em 2016, para odiada por muitos torcedores. O motivo? Correu praticamente sozinha, com um regulamento extremamente favorável, tendo como adversária ela mesma.
Desde a saída da Porsche no final de 2017, a pergunta quem sempre permeava as conversas sobre endurance era: Qual será o adversário real da Toyota? A ACO bem que tentou (muitos dizem que não), fez um esforço para atrair fabricantes para a moribunda classe LMP1, prometeu igualdade entre privados e oficiais, mas como ocorreu desde o surgimento dos motores a diesel em 2006, nenhuma equipe privada conseguiu a façanha de vencer um time de fábrica.
Este ano não foi diferente. Equipes como Rebellion, SMP Racing, Manor e DragonSpeed, embarcaram na aventura de competir na classe LMP1. Todas oriundas de uma LMP2 extremamente competitiva, investiram, desenvolveram carros, esperando a tão sonhada equivalência que para os franceses é resumida em uma sigla, EoT não aconteceu. Para ajudar os times não poderiam ter tempos mais rápidos do que os da Toyota. Foi um jogo de cartas marcadas.
Para ajudar, um destemido Fernando Alonso chegou com a missão de levar o TS050 a vitória. Mesmo sem o espanhol a Toyota teria vencido com folga, muita folga. A participação de Alonso levou o WEC para as primeiras páginas de jornais e sites do mundo todo. Sem vencer nada a F1, e buscando a tríplice coroa do automobilismo, seu papel vai além de dividir o #7 com Sébastien Buemi e Kazuki Nakajima. Hoje seu papel é de relações públicas da categoria assim como Mark Webber e Patrick Dempsey foram outrora. Para ajudar, Jenson Button teve a imagem massivamente utilizada nas redes sociais do WEC.
“Finalmente, nós ganhamos 24 Horas de Le Mans. Claro que isto é mais um passo para o próximo desafio para que eu gostaria de pedir seu apoio contínuo a partir de agora também muito obrigado. Quero agradecer nossos pilotos, finalmente, em nossa 20º participação completamos 388 voltas, e cerca de 5.300 km. Eu quero dizer isto a todos os fãs que nos apoiaram por um longo tempo, os nossos parceiros e fornecedores que lutaram junto com a gente, e todos os membros da equipe e as pessoas relacionadas à nossa equipe. Eu quero expressar o meu sincero apreço a todos,” comemorou Akio Toyoda, presidente da Toyota Motor Corporation.
Kazuki Nakajima comemorou: “É ótimo estar aqui, finalmente; Faz muito tempo. Estou quase sem palavras. Eu tive grandes companheiros e Toyota nos deu um carro muito forte. Terminamos a corrida sem qualquer problema em ambos os carros assim que eu sinto que todos nós merecemos ganhar. Vencer esta corrida foi um grande sonho para todos TOYOTA desde 1985. Houve muitas pessoas envolvidas neste projeto, por isso estou orgulhoso de estar aqui para representar todo esse esforço.”
E deu certo. O envolvimento dos fãs, cobertura da mídia foram maiores este ano. Mas faltou um adversário para valer todo o investimento feito pela Toyota. Mesmo superando as adversidades de uma prova de 24 horas, tráfego e o erro humano que sempre pode dar as caras, a corrida – pelo menos na classe principal – não teve emoção. A torcida era por um erro dos #7 e #8, do que uma vitória. Mas não devemos tirar o mérito do trio vencedor.
Principal equipe privada na classe, a Rebellion Racing bem que tentou. André Lotterer conseguiu a proeza de bater na primeira curva de uma prova de 24 horas. O piloto, um dos mais experientes do grid, se precipitou, acreditando que poderia superar pelo menos um dos Toyotas antes da chicane Dunlop. Não conseguiu. O alemão dividiu o Rebellion #1 com Bruno Senna e Neel Jani. O trio acabou na quarta posição, à 12 voltas do carro vencedor.
O carro precisou ser levado aos boxes para reparos e deu início à enorme sucessão de problemas que foram minando as chances do trio. “Tivemos um monte de pepinos, especialmente com relação ao sensor do sistema de embreagem. Fomos perdendo tempo a cada parada e isso complicou nossa corrida”, explicou Bruno Senna.
As possibilidades de subir ao pódio, depois de entregar o carro a Jani na terceira posição em seu último turno de pilotagem depois de travar um longo combate com Menezes. Mas a porta do carro não fechou depois do pit stop e Jani foi obrigado a praticamente parar o carro na pista para resolver o problema, permitindo a ultrapassagem. A partir daí, com a situação agravada nas horas finais com a punição de duas passagens pelos boxes, tudo ficou ainda mais difícil.
O consolo foi estabelecer a volta mais rápida depois das Toyota, que passearam por Le Mans graças a um regulamento que ainda não foi capaz de estabelecer o equilíbrio na principal divisão do WEC – a LMP1. O tempo de Bruno – 3m20s024 -, no entanto, foi três segundos pior que a volta mais veloz das Toyota, o que comprova o ritmo superior e inalcançável dos carros da marca japonesa.
Em segundo lugar o TS050 #7 de Mike Conway, Kamui Kobayashi e José Maria Lopez. O trio liderou boa parte da prova, e como era esperado, cedeu a posição para o carro #8. Faltando pouco mais de uma hora para o término da corrida, enfrentou problemas elétricos. A diferença confortável para o Rebellion #3 de Thomas Laurent, Mathias Beche e Gustavo Menezes, possibilitou retornar a pista ainda em segundo.
Dos 10 carros inscritos na classe, apenas 5 completaram a prova. O último foi o Ginetta #5 da equipe CEFC TRSM Racing. Os dois carros da SMP Racing que demonstraram um ritmo forte, ficam pelo caminho. Mesmo destino teve o Ginetta #6, o ByKolles #4, primeiro a quebrar e o BR Engineering da Dragon Speed, que foi acertado ainda na primeira curva por Lotterer.
A G-Drive Racing venceu com sobras na classe LMP2. Roman Rusinov, Andrea Pizzitola e Jean-Eric Vergne, terminaram a prova com uma diferença de duas voltas para o Alpine #36 de Nicolas Lapierre, André Negrão e Pierre Thiriet. Em terceiro o Oreca #39 da Graff-SO24 de Vincent Capillaire, Jonathan Hirschi Tristan Gommendy. Os quatro primeiros utilizaram protótipos Oreca. Em nenhum momento as equipes que utilizaram equipamentos Ligier e Dallara, tiveram reais condições de lutar pela vitória. O quarto lugar ficou com o Ligier #32 da United Autosports de Hugo de Sadeller, Will Owen e Juan Pablo Montoya que conseguiu bater o LMP. Felizmente foram danos de fácil reparo. Dos 20 inscritos na classe, 14 terminaram a prova.
A classe GTE-PRO poderia ser a principal do Mundial de Endurance. Com 5 fabricantes inscritos, a disputa foi intensa. Largando na pole, a Porsche não sofreu com os 10 quilos extras que ganhou após o treino classificatório, vencendo com o #92 de Michael Christensen Kevin Estre e Laurens Vanthoor. A decoração rosa do 911, em alusão ao Porsche 917 dos anos 70 foi um dos destaques da prova. A liderança veio na quarta hora de prova, quando Estre adiantou sua parada nos boxes, em seguida o carro de segurança entrou na pista. A partir deste ponto coube administrar.
Em segundo o Porsche #91 de Richard Lietz, Gianmaria Bruni e Fréderic Makowiecki, também com cores alusivas aos modelos de rally da marca nos anos 80. Curiosamente esta é a segunda vitória de uma nova geração do 911 em sua estreia em Sarthe. A primeira foi em 2013. Visivelmente mais lento o #91 segurou o Ford #68 do trio formado por Joey Hand, Dirk Muller e Sébastien Bourdais. Os dois carros chegaram a correr lado a lado, quando Bourdais tentou surpreender Makowieck na primeira chicane da reta Mulsanne. Não obteve êxito. Em quarto o Ford #67 de Andy Priaulx, Harry, Tincknell e Tony Kanaan. Fechando os cinco primeiros, o Corvette #63 de Jan Magnussen, Antonio Garcia e Mike Rockenfeller. O outro Corvette abandonou faltando 4 horas para o término da prova com problemas na suspensão. A Ferrari #52 da AF Corse dos pilotos Toni Vilander, Antonio Giovanazzi e Pipo Derani, ficaram com o sexto lugar. o Ford #66 ficou na sétima posição.
O presidente da BMW Motorsports, Jens Marquardt, destacou os problemas e enalteceu o trabalho de toda a equipe: “Apesar de infelizmente não estar refletido em nosso resultado, o resumo da corrida do BMW M8 GTE em Le Mans é realmente positivo. Antes da corrida, não sabíamos realmente onde estávamos em termos de desempenho. Vimos agora que temos o ritmo necessário para competir na frente do grupo. Isso é exatamente o que pretendemos. Queríamos demonstrar o grande potencial do nosso carro e conseguimos isso. O fato de que os problemas técnicos e um acidente nos negaram um bom resultado é obviamente decepcionante para a equipe e os pilotos. No entanto, podemos definitivamente voltar a Munique com as nossas cabeças erguidas. Um destaque foi definitivamente o lançamento do novo BMW 8 Series Coupe em Le Mans. Essa foi uma forte evidência de quão importante é o automobilismo para a BMW.”
O Aston Martin Vantage “evo” não fez uma boa corrida. Em vários momentos os dois carros tiveram disputas diretas, com os primeiros colocados da classe GTE-AM. O #95 terminou na nona colocação, enquanto o #97 em 13º. A BMW com os novos M8 também começaram atrás do grid e foram galgando posições. O #81 que chegou a disputar a liderança, teve problemas com o amortecedor dianteiro direito. Já o #82 abandonou quando bateu nas curvas Porsche.
Dr. Wolfgang Porsche, presidente do Conselho da montadora comemora a dobradinha: “Um fim de semana absolutamente perfeita para Porsche. Você não pode desejar mais do que isso em nosso ano de aniversário. É impossível planejar tal coisa, mas quando isso acontece é uma sensação indescritível. Parabéns aos pilotos, as equipes e todos os funcionários que fizeram este sucesso possível. Isso me deixa muito orgulhoso.”
A Porsche também venceu na classe AM. O 911 #77 de Matt Campbell, Christian Ried e Julien Adlauer da equipe Dempsey-Proton Racing não enfrentou adversários, após assumir a liderança na terceira hora de prova. Esta foi a primeira vitória do 911 desde 2010. A Ferrari #54 da Spirit of Racing ficou com a segunda posição. A também Ferrari da Keating Motorsports completou o pódio. O Aston Martin #98 que venceram em SPA e lideravam o campeonato, viram a vantagem ir por terra, após Paul Dalla Lana bater nas curvas Porsche, na sétima hora de prova.
Transmissão da corrida no Brasil
Os fãs tiveram que buscar meios alternativos, para acompanhar Le Mans, já que o Fox Sports, detentor dos direitos da corrida no Brasil, sequer transmitiram a largada. Vários streamings estiveram disponíveis, tanto no Youtube, quanto Facebook. O pessoal da página Race4funtv, que transmitem costumeiramente a provas da NASCAR, foram os responsáveis por salvar os torcedores, órfãos de uma cobertura de qualidade.
A equipe comandada por Rodrigo Munhoz soube conduzir a transmissão sem erros, dando voz para os participantes do chat, sanando dúvidas e esclarecendo questões sobre o automobilismo nacional, em especial o gaúcho e também o virtual. Já os portais de notícias especializados, trouxeram pouca variedade sobre a corrida e o WEC, algo comum em um ambiente onde o conhecimento parece ser restrito somente a Fórmula 1.
Este ano com a participação de Alonso na prova, o número de postagens teve um aumento, porém só falando de assuntos correlacionados a F1. Poucas postagens sobre o que é o BoP, EoT, novos regulamentos e participação de vários pilotos, não somente nossos representantes. Alguns jornalistas chegaram a comparar a vitória ou melhor o “feito” de Alonso (como se ele tivesse pilotado sozinho as 24 horas) a vitória de Nick Hulkenbeg em 2015 com a Porsche. Azarão na época o #19 não era o candidato à vitória, mas conseguiu sobreviver. Vale lembrar que naquele ano, Audi e Toyota estavam na classe LMP1, e não correndo praticamente sozinhos como os japoneses este ano.
Enaltecer Alonso, deixando seus companheiros de equipe em um papel secundário, mostra que a editoria de automobilismo precisa e muito se especializar e principalmente, fazer pesquisas, ler, sem ligar tudo a F1.