Porque tantos fabricantes estão escolhendo o Mundial de Endurance?
Você sabe o que é encantamento de vendas? É uma técnica de marketing utilizada por empresa na fidelização de clientes. Assim, além de comprar mais, ele se torna um “embaixador da marca”, não procurando determinado tipo de produto na concorrência.
Não é algo fácil com tamanha concorrência. É mais ou menos assim no automobilismo. Uma categoria tenta seduzir fabricantes para que entrem em sua série. Como? Custos controlados, melhor exposição e regulamentos que permitam o desenvolvimento que possa ser transferido para os carros de produção em série.
A série que tiver um pacote melhor, leva o cliente que acaba arrastando outros com ele. Parece fácil? Não é. Um exemplo atual de encantamento de vendas são os atuais regulamentos do Mundial de Endurance (WEC), que se tornaram atrativos para fabricantes e equipes de clientes.
Desde o seu ressurgimento em 2012, o WEC, esforça-se em atrair fabricantes que possam desenvolver seus produtos na pista e vendê-los. É uma via de mão dupla. Nem sempre é fácil. Audi, Porsche e Toyota foram as únicas que embarcaram nos primeiros anos do Mundial com protótipos caros que só elas podiam bancar. O diesel gate que custou caro para o grupo VW quase matou mais uma vez algo que estava se estabilizando. Não podemos desta vez culpar a dona FIA, são outros tempos.
Brindes e a concorrência no Mundial de Endurance
Quem trabalha com vendas sabe. A concorrência só está de olho. A IMSA uma parceira de longa data do Automobile Club de l’Ouest (ACO), não optou por adotar os regulamentos LMP1 e em 2014 lançou a classe DPi, protótipos com chassis da classe LMP2 (mais barato), sem sistemas híbridos (mais barato) e layouts que poderiam ser inspirados nos carros de produção em série dos fabricantes (leve o meu dinheiro!)
Cadillac, Acura, Mazda aceitaram a oferta. Como bônus, equipes com protótipos LMP2 poderiam participar. Assim, corridas nos dois lados do Atlântico era um sonho possível e remetia aos anos do outro do World SportsCar Championship (WSC), o pai do atual Mundial de Endurance.
Enciumada e com medo de perder hegemonia, o ACO proibiu a participação dos DPi no WEC. “Quer competir no Mundial? Monte um LMP1 híbrido”. Ninguém comprou a ideia. era muito mais rentável correr nos EUA, um dos principais mercados automobilísticos do mundo.
Ouvindo os clientes
A pressão de equipes e fabricantes e o medo de pularem do barco sempre frágil do endurance, ACO e IMSA resolveram deixar uma “Guerra Fria” de lado e em 2021 lançando a classe Hypercar.
Protótipos híbridos mais acessíveis e que poderiam competir tanto no IMSA quanto no WEC. Assim temos os Le Mans Daytona Hybrid (LMDh) e Le Mans Hypercar (LMH) respectivamente. No Campeonato Mundial de Endurance, os dois carros competem na categoria Hypercar.
Além disso, os construtores que optarem pelo regulamento da classe LMDh, por outro lado competem no WEC e IMSA. Podem adquirir um chassi LMP2, e montar ali o seu projeto, muito mais em conta do que desenvolver algo do zero como nos LMH.
Na classe LMH, uma montadora pode criar seu próprio veículo desde o início, ou melhor, da frente até a traseira. Tudo o que estiver associado ao sistema híbrido, se presente, deverá estar localizado à frente das rodas do veículo.
Para competir no LMDh, as equipes devem depender fortemente de peças disponíveis comercialmente. O monocoque e a suspensão do carro devem possuir “design” LMP2 de última geração dos quatro construtores licenciados. Esses construtores são Oreca, Dallara, Ligier e Multimatic.
Muitas parcerias
Todos os veículos compartilham um sistema híbrido montado atrás do eixo traseiro. A Bosch fornece a unidade geradora de motor (MGU), a Williams Advanced Engineering fornece a bateria e a Xtrac fabrica a caixa de câmbio; todas as três empresas colaboram no design geral. O fabricante é responsável pelo desenvolvimento da aerodinâmica, fornece o componente de combustão interna do motor e é livre para projetar a eletrônica como achar melhor.
Apesar de terem designs muito variados, todos os veículos devem obedecer aos mesmos padrões de desempenho estabelecidos na regulamentação. As janelas de desempenho dentro das quais cada veículo deve se enquadrar são um conceito central tanto do LMH quanto do LMDh. A potência máxima, a força descendente aerodinâmica e os objetivos de arrasto são os mesmos.
Assim, a sonhada convergência finalmente foi alcançada. Porém, tudo tem um preço no começo, muitos fabricantes optaram em permanecer da IMSA. A Toyota foi fiel a ACO e manteve-se no WEC.
Mas, as coisas tomaram outro rumo a partir de 2022, quando a Peugeot anunciou que voltaria às competições, depois do abandono precoce em 2012. Ninguém sabia até então, mas a Toyota foi a cobaia de um mar de fabricantes que anunciariam o seu retorno. O encantamento de vendas funcionou.
Casa cheia, um “problema” para o WEC
Seguiu-se então diversos anúncios que deixaram os executivos do ACO felizes e espantados os da FIA com um dorzinha de cotovelo, como assim não olharam para a sacrossanta Fórmula 1?
Para se ter uma ideia, a temporada 2024 do WEC terá pelo menos 17 carros de equipes de fábrica na classe Hypercar:
- Toyota x 2
- Porsche x 2
- Ferrari x 2
- Lamborghini x 2
- Cadillac x 2
- BMW x 2
- Acura x 2
- Alpine x 2
- Isotta Fraschini x 1
Lugar para todos
Aliás, na lista acima não estão computados os protótipos de equipes de clientes como a Proton Competition e do Team JOTA, que adicionariam quatro carros na disputa. A lista não contempla as 24 Horas de Le Mans, onde os números podem aumentar com três Porsches pela equipe de fábrica e um segundo Isotta Fraschini.
“Estamos limitados pelo número de boxes que temos em algumas pistas”, disse Pierre Fillon, durante as 6 Horas de Fuji, em entrevista ao site Motorsports.com. Portanto, estamos trabalhando para ver o que podemos fazer, mas poderíamos ter 40 carros”.
Uma das alternativas, seria o uso de um box para as equipes que estarão na classe LMGT3. Por via de regra, cada equipe ocupa dois boxes atualmente. “Estamos analisando todas as soluções – o diabo estará nos detalhes”, explicou Fillon.
Com este “problemão” nas mãos, os organizadores não são nem um pouco saudosistas dos anos de 2018/19, quando o WEC estava na iminência de perder o status de Mundial por conta da quase inexistência de fabricantes na disputa.
Assim, o ACO comandado por Pierre Fillon, fez um excelente encantamento de vendas e os fabricantes aderiram. Custos controlados, BoP para nivelar a disputa e a liberdade de competir na Europa e EUA com protótipos e GTs. Qual equipe e piloto não gostariam de vencer Le Mans, Daytona, Sebring e Indianápolis com o mesmo carro? Agora é possível. Por fim, os fãs agradecem.