1000 km de Le Mans, o prelúdio do ELMS
Com o fim do World Sportcar Champioship (WSC), em 1992, montadoras, pilotos e fãs, tiveram que se contentar em acompanhar a Fórmula 1. A manobra de Bernie Ecclestone (F1) e Jean-Marie Balestre (ex-presidente da FIA), mudaram os regulamentos do Grupo C.
Como diz o dito popular “do limão se faz uma limonada” e anos depois o Club de l’Ouest (ACO) teve a brilhante ideia de resgatar as corridas de endurance e de protótipos na Europa, o European Le Mans Series (ELMS).
Mas houve muito sangramento para que de todas as formas o Endurance morresse naqueles tempos. Com um forte lobby, Ecclestone e Balestre contribuíram e muito para o mal e para que um campeonato de endurance que tivesse as 24 Horas de Le Mans tivesse o status de “mundial” só em 2012.
Em nome de quem? Da Fórmula 1. Nos anos 80 e 90, a F1 rivalizava com o WSC como principal categoria do automobilismo mundial. Se no Brasil a F1 está incrustada na nossa cultura, nos demais países a história é um pouco diferente.
Como sabem, o mundial era chamado de Mundial de “Esportes-Protótipos”. No endurance o carro é o astro principal, o título de pilotos tem seu valor, até porque o carro precisa de alguém para controlá-lo.
Mesmo nos dias de hoje um piloto “padrão” F1 pode não se sentir desconfortável por dividir as vitórias com outros pilotos. Até na imprensa é perceptível quando um “ex-f1” vence uma prova de longa duração. Os demais pilotos ficam em segundo lugar, seja pelo engajamento ou pela falta de conhecimento mesmo.
Briga pelo gosto popular
Muitas vezes o seu adversário não quer apenas te derrotar, ele não quer que se lembrem de você. Para se ter uma ideia, as 24 Horas de Le Mans de 1989, antes da FIA mexer nos regulamentos do Grupo C, teve diversos fabricantes envolvidos, seja com equipes de fábrica ou privadas na classe C1 (atual Hypercar), C2 (LMP2) e GTP (LMDh)
Tínhamos Porsche, Mercedes-Benz, Jaguar, Mazda, Aston Martin, Nissan e Toyota. Esse povo priorizou as provas de longa duração por um motivo simples. Custos. Não existia e até hoje é assim, a construção de um carro totalmente novo todos os anos.
Assim, os valores eram amortizados ao longo e a tecnologia podia ser passada para os carros de produção de cada marca. Com mais fabricantes, o consumidor torcia para sua marca preferida, independente da qualidade do piloto.
Obviamente o piloto não era esquecido, mas ficava muitas vezes em papel secundário. Você até pode conhecer um Porsche 962 ou um Sauber C11, mas não lembra quem os pilotou.
A prova de 1989 marcou o fim da reta Mulsanne sem as chicanes. Os carros chegavam a velocidades que beiravam os 400 km/h em um tempo em que a segurança não era levada a sério. A partir de 1990 o circuito começou a podar os trechos que faziam os carros atingirem altas velocidades.
Mesmo assim, a popularidade das corridas de endurance não foi abalada. Logo o sistema encontrou um meio de limar o Grupo C, favorecendo a F1 que era algo normal. Tinha o seu brilho, seus grandes nomes, mas o Grupo C pegou os fabricantes, isso incomodou.
Como ganhar sem esforço?
Mais uma vez a política entrou em cena. Como dizem, o sistema trabalha para o sistema. Até então, os protótipos tinham por regra peso de 750 km e motores de 3.500 cc. Como a F1 não era atraente para grande parte dos fabricantes (como assim não gostavam?), vamos dar uma ajudinha ou uma forçadinha para que se voltem para o mundo mágico de Bernie Ecclestone.
Com um forte lobby, já que Bernie era vice-presidente da FIA na época, para a temporada de 1991, os motores deveriam seguir os padrões da Fórmula 1. Com as mudanças, os novos propulsores precisariam ser testados para aguentar uma prova de seis ou 24 Horas.
No entanto, a adoção destes novos regulamentos foi fatal para o Grupo C e apenas alguns carros da Categoria 1 (C1) estavam prontos para a temporada de 1991. Vale lembrar que automobilismo é dinheiro.
O que era um grande campeonato, tornou-se uma classe sem muita gente importante Jaguar, Mazda e Mercedes-Benz ficaram, mas com seus carros antigos, sendo alocados na classe C2. Na C1, a Peugeot alinhou, mas não terminou a prova.
O fim
Não deu muito certo. Em 1993 os espetaculares regulamentos só provaram uma coisa, era caros. Os custos aumentaram enormemente à medida que as equipes de fábrica desenvolveram carros capazes de se classificar em tempos que os colocariam no meio do grid da sacrossanta F1. Os protótipos pesavam em média 200 kg a mais que as F1 da época.
O golpe envolvendo a FIA e a FOM deu certo. Mercedes e Peugeot optaram por concentrar-se ou passar exclusivamente para a F1. Os motores eram complexos para equipes e fabricantes menos endinheirados como a Spice e ADA Engineering.
Sem equipes a temporada de 1993 nem chegou a acontecer, terminou antes da primeira corrida. O Mundial de Endurance, que nasceu em 1953, estava morto.
Sem a FIA, a emoção continuou em Le Mans
Mesmo sem um Mundial para chamar de seu, ACO, IMSA e SRO (essas duas muito mais ativas) provaram que existe vida quando não está sob o guarda-chuva da FIA.
A IMSA que mantinha desde 1973 a “IMSA GT”, absorveu grande parte do espólio do WSC, sendo considerada o Mundial de 1995 até 1998. Tendo regras semelhantes à do Grupo C, como temos hoje entre Hypercars LMH e LMDh, os protótipos correram em solo americano.
A principal prova, as 12 Horas de Sebring abria a temporada, que terminava em Laguna Seca. Para 1999 um acordo entre IMSA e ACO orquestrado por Don Panoz fez nascer o American Le Mans Series (ALMS). Porém, a coisa ganhou outras dimensões. Faltava algo, faltava o endurance com a chancela do ACO na Europa.
Contudo, nem todos gostavam de monopostos de F1. A FIA sabendo disso pediu para a Stéphane Ratel Organization (SRO) criar um campeonato para alocar os fabricantes e carros GT (GT1 e GT2) e manter longe os protótipos. Assim, em 1997 nasceu o FIA GT que teve entre outros fabricantes a Maserati, Porsche, Mercedes-Benz e McLaren na classe GT1.
Vale lembrar que a FIA só botou os dedinhos por conta do sucesso do BPR Global GT Series, série criada por Ratel em 1994, ao lado de Jürgen Barth e Patrick Peter. Como sempre, a Federação Internacional de Automobilismo espera que algo feito pelos outros faça sucesso para apoderar-se de tudo.
O BPR durou apenas três anos, mas foi um sucesso. Os regulamentos dos GTs foram utilizados em Le Mans rivalizam com protótipos. Essa “bagunça” organizada não iria longe já que os planos do ACO estavam longe de que um GT dominasse Le Mans. Eles apenas seguiram a cartilha da FIA, se apoderando do sucesso alheio.
ELMS surgindo
Se o FIAGT estava bombando e o ALMS fazia o mesmo nos EUA, a ACO era a coadjuvante da vez. Pensando nisso, em 2003, maia precisamente no dia 09 de novembro, o Club de l’Ouest promoveu os 1000 km de Le Mans, prova realizada no circuito Bugatti e que contou com 37 carros divididos em quatro classes: LMP900, LMPGTP, LMP675, GTS e GT.
A ideia era “sentir” como as equipes se comportariam em um campeonato regional, já que o ALMS estava fazendo sucesso nos EUA e o ACO não queria ficar para trás. Como atrativo, os vencedores da prova receberam convites para as 24 Horas de Le Mans de 2004.
Os vencedores foram Tom Kristensen e Seiji Ara no Audi R8 da Audi Sport Japan Team Goh após completarem 208 voltas no circuito de 4.3 quilômetros. Outros fabricantes participaram como o Courage, Dome, Ferrari, Lola, Viper, Porsche, TVR Tuscan e Pilbeam. Foram percorridos 869.44 km.
A mensagem foi clara, queremos algo além de Le Mans, provas o ano inteiro, sem a necessidade de competir nos EUA e no meio do ano voltar para Le Mans.
Com medo da concorrência da IMSA, (guerras frias não acontecem por acaso), em 2004 o Club de l’Ouest lançou o Le Mans Series (LMS) que se tornou European Le Mans Series (ELMS).
O WEC no horizonte
Anos depois com o surgimento do Asian Le Mans Series, o ACO tinha competições regionais em todo o mundo, que culminaram nas 24 Horas de Le Mans. Aliás, em 2007 as 1000 Milhas Brasileiras fizeram parte da temporada.
Com provas em circuitos europeus e regulamentos que eram aceitos tanto no ALMS quanto no Asian LMS, ficava fácil correr nas principais pistas do mundo, sem depender das aberrações projetadas por Hermann Tilke.
Porém, como tudo não são flores, a FIA já estava de olho já que Audi e Peugeot e Nissan tinham equipes de fábrica no endurance. E como a grama do vizinho é sempre mais verde… logo ela mostraria as suas garras. Mas antes, o ACO provou o seu valor, o Intercontinental Le Mans Cup que culminou com o ressurgimento do WEC.
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