Entrevista com o jornalista português Ricardo Grilo
A temporada 2020/21 do Mundial de Endurance poderá ter um impacto igual ou maior do que o lançamento da nova “versão” da série em 2012. A chegada dos Hypercars modelos baseados em superesportivos, substituirão uma das principais marcas de Le Mans, os protótipos.
A mudança veio depois da debandada de importantes nomes como Audi, Porsche, BMW e Ford. Ficaram Toyota, Aston Martin e Porsche, essas últimas na classe GTE-Pro. Algo precisava ser feito. Se este o caminho certo? O futuro do Mundial de Endurance será duradouro?
Essas e outras questões foram respondidas pelo jornalista português Ricardo Grilo, que tece um panorama favorável, sobre o Mundial de Endurance.
Grilo, que é comentarista do canal Eurosport em Portugal, é um dos maiores especialistas em endurance da língua portuguesa. Se especializou na cobertura de provas de longa duração e GT. Atualmente participa das transmissões das 24 horas de Le Mans, Mundial de Endurance e Blancpain GT Series.
Também é autor de dois livros, “Américo Nunes – O Senhor dos Porsche” e “Kiko Ribeiro da Silva – A História Incompleta de um Grande Piloto“. Tem como hobby, uma grande coleção de miniaturas em escala 1/72. A entrevista foi feita pelo jornalista Fernando Rhenius.
Bongasat: Nossa primeira entrevista foi em 2017, primeira temporada do WEC sem a Audi. Desde então uma crise assolou a categoria com a saída de fabricantes. A alternativa acabou sendo a criação de uma nova classe, os Hypercars. Esta mudança em predileção aos protótipos foi acertada?
Ricardo Grilo: Boa pergunta. Mas só saberemos no futuro. Pessoalmente tenho algum receio que isso possa dar um passo atrás e que piore a imagem de Le Mans, com carros que pouco diferem dos atuais GT3 ao olhar de observadores menos experiente.
Temos que ter em conta que os protótipos são a imagem de Le Mans pelo menos desde 1949. Mas aguardemos para ver o que vai acontecer. Até porque os DPi 2.0 são verdadeiros sport-protótipos e poderão vir ainda juntar-se à festa.
Bongasat: Em comparação com o WEC, a IMSA tem uma forma mais simples e barata, protótipos com carenagens estilizando layouts de cada marca e chassi LMP2. A fórmula é a mesma que será utilizada nos LMH. Não teria sido mais fácil unificar a IMSA e WEC, do que desenvolver algo totalmente novo e oneroso?
Ricardo Grilo: Suponho que essa ideia seria a preferida do ACO e da IMSA, mas a FIA terá imposto os Hypercar, por qualquer motivo que tenho dificuldade em compreender. Embora venha na sequência de medidas idênticas tomadas anteriormente, em 1962 ou em 1995. Fico com a sensação de que a FIA nunca gostou dos protótipos.
Bongasat: O ACO divulgou na última semana uma alteração na classe LMH, dizendo que equipes privadas só poderão competir se estiverem alinhadas com um fabricante. Após a repercussão negativa, a entidade ficou de avaliar cada caso. Não seria um erro deixar de lado equipes privadas?
Ricardo Grilo: Não consigo compreender o alcance desta medida. Mas como foi anunciado que a ByKolles pode ser considerada uma montadora porque anunciou que vai produzir alguns carros, fico ainda mais perplexo. Será apenas para impedir um eventual regresso da BR Engineering?
Bongasat: A debandada do grupo VAG do WEC (Audi e Porsche), provavelmente foi o maior baque nesta nova fase da categoria. Você acredita que foi reflexo do “dieselgate”, ou teve política para desestabilizar o campeonato Mundial?
Ricardo Grilo: Claramente reflexo do “Dieselgate” e, talvez, da escalada de custos que já ultrapassaria os 200 milhões por temporada.
Bongasat: A Fórmula E é a categoria do momento. Com monopostos 100% elétricos e corridas silenciosas têm cativado fabricantes e fãs. O sucesso da FE poderia estar ligado aos regulamentos do WEC, que por conta do alto custo, acabaram afugentando fabricantes?
Ricardo Grilo: Não. O sucesso é a aposta no cavalo certo numa altura em que os governos e os fundamentalistas pressionam na direção dos elétricos por não terem nada menos mau para propor. Com as novas regras de emissões europeias, a média de emissões do portfólio das montadoras vai ser em breve de 95 gramas de CO2/km. E vai baixar em seguida para os 60 gramas. Algo impossível de alcançar sem o recurso eléctrico. E para tal precisam produzir e, pior ainda, vender muitos carros elétricos. E para tal têm que os promover.
O que eu acho errado é o ACO não ter criado já uma classe LMP-E para fazer corridas curtas para carros elétricos em complemento às provas de endurance. Assim, entregam o “ouro ao bandido” não dando alternativa às montadoras que queiram promover os elétricos pela competição.
Bongasat: O EoT da classe LMP1 tem punido a Toyota. O TS050 está aquém do seu real potencial, o que acaba congelando seu desenvolvimento. O Handicap de sucesso neste caso acabou trazendo uma certa competitividade a classe. Limitar a Toyota foi um caminho mais fácil para equipar as equipes?
Ricardo Grilo: Foi o caminho possível. Não é o ideal, mas tendo em conta o que existe, é o mal menor. Por outro lado, convém não esquecer que ao longo da história do campeonato do mundo (que começou em 1953) houve diversas ocasiões onde os melhores foram penalizados para equilibrar os resultados. Não é nada de novo. A diferença é que agora está claramente assumido e documentado e antes era com maior discrição que se espetavam as “facas nas costas”.
O que eu acho errado é o ACO não ter criado já uma classe LMP-E para fazer corridas curtas para carros elétricos”
Bongasat: Os protótipos LMP2 ficarão mais lentos por conta da potência reduzida dos Hypercars. Mesmo sendo uma classe dominada pela Oreca, existe competitividade. Essa limitação de potência não acabaria sendo benéfica para os gentleman drivers?
Ricardo Grilo: Julgo que sim, pois tornará os carros mais fáceis e mais acessíveis de pilotar. Ficam também mais fiáveis, devido aos motores serem menos potentes.
Bongasat: Portugal tem despontando no cenário do endurance internacional. Felipe Albuquerque, Álvaro Parente e João Barbosa são exemplos de um trabalho bem-feito. Não podemos esquecer também de Pedro Lamy. Como as categorias de base do automobilismo português atuam na preparação para que pilotos, tenham interesse em categorias mais acessíveis do que a Fórmula 1?
Ricardo Grilo: Na atualidade não existem verdadeiras categorias de base em Portugal. Há um troféu com os pequenos Citroën C1 que é barato e tem muitos participantes, há um troféu com os Kia Picanto, há um campeonato “Open” onde participa um pouco de tudo, mas de resto a base do nosso desporto nas pistas são as corridas de clássicos que não ajudam a construir carreiras internacionais. Ou seja, é difícil atualmente um jovem seguir uma evolução lógica após o Kart, a menos que vá para o estrangeiro.
Bongasat: Portugal sedia etapas do European Le Mans Series, Michelin Le Mans Cup e tem uma fábrica de protótipos LMP3 (Adess AG). O que falta para Portimão ou Estoril receberem uma etapa do WEC?
Ricardo Grilo: Suponho que acima de tudo faltará dinheiro. Muito dinheiro!
Na atualidade não existem verdadeiras categorias de base em Portugal”
Bongasat: O Brasil perdeu pela segunda vez uma etapa do Mundial de Endurance, por conta de má gestão financeira. Este tipo de erro é comum na Europa? Ou a captação de recursos para eventos automobilísticos é mais fácil? Existe dinheiro público envolvido?
Ricardo Grilo: Haver falhas é possível em toda parte, mas não é comum ocorrerem a esse nível. Quando a imagem do país está em jogo o estado pode ajudar com dinheiro ou influenciar para desbloquear apoios de empresas públicas. No caso da Fórmula 1 nos anos 80 e 90 houve realmente dinheiro público envolvido. Mas os tempos eram outros. No presente, depois da crise de 2008, é muito mais difícil o Estado apoiar eventos automobilísticos Ainda mais com um governo de esquerda que precisa agradar à extrema-esquerda para aprovar os orçamentos. Mas a nível regional suponho que possa haver algum apoio, como julgo que sucede com o ELMS em Portimão. Mas não sei em que moldes será.
Confira a primeira entrevista de Ricardo
VAVEL entrevista: Ricardo Grilo, jornalista português sobre o Mundial de Endurance