A vitória do Ligier JS P2 da equipe Extreme Speed Motorsports na edição de 2016 das 24 horas de Daytona foi emblemática. Vou fugir de termos com histórico, que será usado por muitos blogueiros e sites, até por que tudo que faz parte do passado é história. Irei usar um termo bem mais simples. Justiça.
Essa história começa em meados de 2012, naquela época o automobilismo americano tinha duas categorias fortes, a Amerian Le Mans Series, série que seguia à risca os preceitos da ACO, entidade que comanda as 24 horas de Le Mans e o WEC, e a Rolex Sports Car Series. Está comandada pela família France, dona da NASCAR e com muito dinheiro sobrando.
Mesmo com toda visibilidade que a série tinha, nunca chegou aos pés da ALMS, muito pelos times de fábrica que competiam na classe GT2 que depois virou GTE/GTLM e dos protótipos P1 e P2 infinitamente mais desenvolvidos, bonitos e rápidos. Mesmo com esses predicados, a ALMS não vinha vem das pernas. Com poucas equipes nas classes de protótipos depois de 2008 quando Audi, Acura e Porsche duelavam, viu equipes de fábricas apenas competindo nos dois maiores eventos do certame. As 12 Horas de Sebring e Petit Le Mans.
No restante do ano equipes pequenas se pegavam em provas com menos horas de duração, mas sempre com muita emoção. Para engordar os grids a ALMS incorporou as classes LMPC com o Oreca FLM09 e a GTC com os Porsche 911 GT3 Cup. Mesmo assim a conta não fechava.
Até que a família France compra a IMSA, organizadora da ALMS. Ali começava um jogo político em favorecimento dos Daytona Prototype. Protótipos mais lentos, perigosos e obsoletos. Em 2013, último ano da ALMS e Rolex a etapa de Road Atlanta aonde as duas categorias participaram só ratificou o que todos já sabiam. Os protótipos LMP2 eram cerca de 4 a 5 segundos mais rápidos do que os melhores DP. Aquele seria o último ano dos LMP1 em campeonatos regionais (ALMS, ELMS e Asian LMS). Seu reduto acabou sendo o WEC.
Daquele momento em diante, imprensa, equipes e fãs se perguntavam como um LMP2 e um DP iria competir em pé de igualdade? Iriam por lastros nos LMP2? Os DP teriam mais potência? Assim 2013 foi caminhando com muitas dúvidas e pouca informação para o público. Se falava em um BoP que iria deixar os dois modelos iguais, mas ninguém sabia como faria isso.
A primeira medida foi a adoção de um pneu único para a classe P. Saia os bons Michellin e entrava os Continental. É claro que as equipes com protótipos LMP2 sofreram muito. Durante a primeira prova de 2014, as 24 horas de Daytona o que se viu foi um passeio dos modelos DP em cima dos LMP2. Eram duas classes totalmente diferentes encobertas apenas pela letra “P” estampada na carenagem dos carros.
Após a prova a reclamação das equipes com P2 foram enormes. Enquanto as com modelos DP enalteciam o “poderio americano”. Se esperava algo para Sebring, mas o que se viu foi um banho dos modelos DP durante todo o ano. Como resposta equipes como ESM, OAK Racing, Muscle Milk e Krohn Racing acabaram desistindo de seus programas ou indo competir em outros campeonatos.
Foram poucas as vitórias de modelos P2 entre 2014 e 2015. Quem iria comprar um protótipo novo sabendo que não ganharia nada? Pois é várias equipes acabaram indo para outras classes, e os medalhões como Chip Ganassi, Wayne Taylor, Action Express Racing dominaram as provas.
Mas os DPs são modelos velhos e inseguros. O acidente com o #99 da equipe Gainsco aonde o piloto Bob Stallings acabou sendo acertado durante as 24 Horas de Daytona não se recuperou mais. Algo precisava ser feito. A ACO que nunca se manifestou de forma aberta sobre o disparate de desempenho entre os dois modelos alterou as regras para 2017 aonde apenas quatro fabricantes estariam elegíveis para competir na classe LMP2. Seja em Le Mans ou no WEC.
A IMSA não tendo para onde correr, e vendo que o futuro seria de modelos mais desenvolvidos e menos beberrões, pesados e perigosos acabou concordando e a partir de 2017 todo protótipo que for disputar a série americana será um LMP2, seja com a carenagem original ou com bolhas nos mesmos moldes que hoje são os Corvette DP.
Este será o último ano em que veremos nas pistas os DP. E não existe uma forma melhor de comemorar uma vitória do Ligier #02 da equipe ESM, na casa deles. No circuito de Daytona. Esta foi a primeira vez desde o início dos anos 2000 que um LMP vence a prova. A justiça foi feita, e por mais que o BoP da classe seja alterado para Sebring as coisas não serão mais como antigamente.
Como foi a prova?
Ao contrário dos outros anos os modelos LMP2 mostraram um folego maior do que os DP nos treinos, que sempre foram embaixo de chuva. A dúvida seria. Com o tempo seco o domínio iria prevalecer? E prevaleceu. O pole o BR01 da equipe SMP Racing não conseguiu manter a ponta e foi superado facilmente pelos dois Ligier das equipes Michael Shank Racing e ESM com os brasileiros Oswaldo Negri e Pipo Derani respectivamente.
O que se viu foi um desempenho surreal dos dois carros. Mesmo depois dos modelos DP terem superado o fraco BR01 vencer em condições normais seria algo complicado, e as equipes teriam que se valer de quebras e bandeiras amarelas.
O ano de 2015 também marcou um bom começo para o DeltaWing. O estranho protótipo pilotado por Katherine Legge, Sean Rahall, Andy Meyrick e Andreas Wirth chegou a liderança da prova com uma facilidade surreal. Mais leve e com uma economia de combustível maior que os demais adversários, o #0 só não conseguiu superar a inexperiência de Andy Meyrick que acertou em cheio o LMP #8 da equipe Starworks pilotado por Chris Cumming que acabou parando na curva 1.
Ali se ia o sonho do protótipo muitas vezes criticado pela “imprensa especializada”, e que teve reais chances de vencer a prova. A disparidade de desempenho não foi algo limitado ao Deltawing. O principal problema das equipes com protótipos Ligier, foi a diferença entre os pilotos.
No carro campeão Scott Sharp, Ed Brown e Pipo Derani sofreram com o desempenho de Johannes van Overbeek, nitidamente mais lento e que foi superado por seus adversários durante toda a prova. Dando aos companheiros o trabalho dobrado em seus stints.
Mesmo caso com o carro da equipe Michael Shank Racing. Oswaldo Negri e Olivier Pla levaram o carro nas costas até sua quebra, já que John Pew e Aj Allmendinger estavam ali para cumprir tabela. Problema que times como Chip Ganassi, Action Express e Wayne Taylor não enfrentaram.
Os chamados Gentleman Drives, senhores ricos e com dinheiro para bancar estruturas estão com seus dias contados. Este foi um dos benefícios que a profissionalização da classe LMP2 vem fazendo nos demais campeonatos. Um caminho natural também na IMSA.
Ambos os Ligier equipados com novos motores Honda. Sendo um motor novo cobrou seu preço com a quebra na nona hora do Ligier #60 que liderava a prova com Oswaldo Negri ao volante. O LMP deixou um rastro de óleo pela pista. Pelas imagens o brasileiro estava inconsolável, pois sabia do potencial e principalmente vantagem que tinha conquistado para os seus adversários.
Derani que enfrentou nas últimas voltas problemas com a temperatura da caixa de marchas teve sangue frio para não diminuir o ritmo. “Foi complicado a disputa com os irmãos Taylor“, disse. “Para fechar a vitória, não cometi erros e aumentei a diferença até o fim foi incrível.”
“Esta é a minha primeira corrida Estados Unidos e 24 Horas de Daytona. Tivemos um alarme da temperatura da caixa de velocidades, que foi um pouco assustador. Talvez fosse apenas um sensor, meu engenheiro me manteve relaxado, mas foi um pouco assustador para os últimos 30 minutos.”
Um bom começo também para os dois Lola da equipe Mazda que trocaram de motores para esta temporada. Mesmo assim pagaram caro pela mudança mesmo fazendo uma boa apresentação enquanto estavam na pista. O #55 pilotado por Jonathan Bomarito, Tristan Nunez e Spencer Pigor completou 327 voltas, enquanto o #70 de Joel Miller, Tom Long e Ben Devlin conseguiram completar apenas 11 voltas.
Os demais protótipos da classe chegaram a liderar a prova mas acabaram enfrentando problemas. O segundo lugar ficou com o Corvette DP #10 da equipe Wayne Taylot Racing dos pilotos Jordan e Ricky Taylor, Max Angelelli e Rubens Barrichello que mesmo não acostumado com o ritmo do carro fez uma prova apresentação. Por sua experiência e conhecimento, é o tipo de profissional perfeito para provas de longa duração, por saber poupar o carro.
O Ligier vencedor ainda recebeu uma punição nas horas finais quando liderava por passar em cima da faixa que delimitava a saída dos boxes e a pista. Teorias conspiratórias? Talvez, mas não foi o suficiente para frear o ímpeto de Pipo Derani.
Na terceira posição o Corvette #90 da equipe Visit Florida Racing dos pilotos Ryan Dalziel, MArc Goossens e Ryan Hunter-Reay, não foram um fator durante a prova e se beneficiaram dos abandonos dos demais concorrentes. Em quarto e com um grande sabor de derrota o Corvette #5 de João Barbosa, Christian Fittipaldi, Felipe Albuquere e Scott Pruett, que começou mal, mas foi cavando posições até chegar a liderar a prova.
Christian Fittipaldi e João Barbosa guiaram com maestria, mas foram traídos por problemas no eixo do carro, obrigando a troca da peça. O quarto lugar é um resultado fabuloso para o time que poderia ter vencido a prova.
Em quinto vem o forte Ford DP #01 da equipe Chip Ganassi dos pilotos Lance Stroll, Alex Wurz, Brendon Hartley e Andy Priaulx. O segundo carro da equipe o #02 de Scott Dixon, Tony Kanaan, Jamie McMurray e Kyle Larson também enfrentou problemas ficando apenas na 13º posição.
Classe LMPC, muitos problemas e amadorismo
Como é de costume acidentes povoaram a classe PC. Os vencedores do Oreca #85 Chris Miller, Mikhail Goikhberg, Stephen Simpson e Kenton Koch da equipe JDC-Miller Motorsports chegaram com uma vantagem de 4 voltas sob o #52 da PR1/Mathiasen Motorsports dos pilotos Robert Alon, Tom Kimber-Smith, José Gutierrez e Nicholas Boulle.
Os campeões da IMSA Lites literalmente sobreviveram e usaram o consumo de combustível a seu favor para garantir a vitória. Esta foi a primeira vitória desde que estrearam na IMSA em 2014. Os vencedores do ano passado, a BAR1 Motorsports enfrentou problemas na bomba de combustível. Com o problema resolvido acabaram voltando aos boxes para novos reparos na manhã de domingo.
O outro carro da equipe o #20 que tinha como Johnny Mowlem o principal destaque completou o pódio em terceiro. Os favoritos da classe o #54 da equipe Core Autosport abandonaram na sexta hora com falhas de motor. Os dois carros da Starworks Motorsports também não completaram a prova.
No total foram mais de 5 horas com o carro de segurança comandando o pelotão e um total de 21 punições.
Classe GTLM, vitória dupla para a Corvette
A sempre concorrida classe GTLM viu uma disputa acirrada durante toda a prova, que culminou com a vitória da Corvette. O #4 dos pilotos Olivier Gavin, Tommy Milner e Marcel Fassler em cima do #3 de Antonio Garcia, Jan Magnussen e Mike Rockenfeller.
Mas não foi uma vitória fácil para os carros americanos. A Porsche tradicionalmente forte em Daytona deu trabalho para os carros amarelos que se valeram muito da experiência dos pilotos e durabilidade do carro para vencer. A diferença entre o primeiro e segundo foi de pouco mais de 0.03 segundos.
A vitória teve um gosto maior já que Oliver Gavin e Antonio Garcia foram liberados pela equipe a brigar pela vitória. Os últimos 15 minutos foram intensos para os dois pilotos que culminou com a vitória do #4.
Gavin superou o Porsche #912 pilotado por Earl Bamber, surpreendo o piloto da Porsche. Esta foi a primeira vitória do trio Gavin, Tommy Milner e Marcel Fassler que é piloto oficial da Audi. Os dois pilotos da Corvette não venciam nos EUA desde 2013.A vitória teve um gosto a mais pois o carro sofreu uma punição de 60 segundos por andar sob a faixa branca que separa a saída dos boxes da pista.
Bamber, que dividiu o Porsche #912 com Fred Makowiecki e Michael Christensen, não teve problemas durante a prova. O outro Porsche de #911 de Nick Tandy, Patrick Pilet e Kevin Estre que foram pole na classe enfrentaram problemas de suspensão na 19º hora terminado em oitavo.
A Scuderia Corsa que estreou na classe com a Ferrari #68 foi a melhor equipe que disputou a prova com os novos carros. A Ferrari 488 GTE equipada com motorização turbo ficou em quarto lugar. Mérito dos pilotos Alessandro Pier Guidi, Alexandre Premat, Daniel Serra e Memo Rojas.
BMW também garantiu um top-cinco na estreia do seu novo carro. O #25 pilotado por Bill Auberlen, Dirk Werner, Augusto Farfus e Bruno Spengler chegou em quinto lugar. O carro #100 não completou por conta de problema de freios no período noturno.
Mas os astros da classe, os dois Ford GT, ficaram aquém do esperado. Mesmo para muitos comentaristas todos os trabalhos de pré-temporada com milhares de quilômetros rodados não foram suficientes para dar dor de cabeça a equipe.
Uma coisa é treino outra é corrida, e os dois carros tiveram problemas. O #66 terminou na sexta posição depois de enfrentar problemas de cambio e também com pneus furados. “Em termos de velocidade, não há absolutamente nenhum problema”, disse Richard Westbrookpiloto do carro #67 ao site Motorsport.com depois de sair do carro. “Tudo é tão novo. Agora é o tempo que precisamos para começar com o pé direito. ”
“Este foi um começo muito promissor, porque nós descobrimos muitas coisas no carro. Queremos estar perfeitos para Le Mans.” Richard acabou em nono na classe.
Classe GTD, Tudo novo!
A classe GTD foi a que mais teve carros novos este ano. Agora que aceita os mesmos carros que estão dentro do regulamento FIAGT3 a diversidade de modelos é grande. O vencedor, o Audi #44 da equipe Magnus Racing venceu a primeira prova com o nvo R8 LMS, mesmo tendo problemas com o consumo de combustível.
Rene Rast finalizou a prova teve como companheiros Andy Lally, John Potter e Marco Seefried. A vitória foi apenas mais uma do novo modelo que venceu as 24 horas de Sepang, Nurburgring ano passado e Dubai no início deste ano.
A vitória do Audi só foi possível por conta da pane seca do Lamborghini Huracán #28 da equipe Konrad Motorsports que ficou sem combustível a três minutos do final. Na segunda posição o novo Porsche 911 GT3-R da equipe Black Swan Racing dos pilotos Tim Pappas, Nicky Catsburg, Patrick Long e Andy Pilgrim. Fechando o pódio o Viper #93 de Ben Keating, Gar Robinson, Jeff Mosing, Eric Foss e Damien Faulkner.
A Aston Martin Racing fez uma prova tranquila ficando em quarto na classe com os pilotos Pedro Lamy, Mathias Lauda, Paul Dalla Lana e Richie Stanaway. O quarto lugar teve um gosto de derrota, já que o carro #98 liderou a prova e era candidato a vitória.
A próxima etapa da IMSA será as 12 horas de Sebring entre os dias 16 e 19 de março.