Pesadelos e paisagens noturnas volume 1

10 de outubro de 2016 0 Por Fernando Rhenius

(Foto: Fernando Rhenius)

Segundo o dicionário, pesadelo é “sonho aflitivo que produz sensação opressiva; mau sonho” Quem nunca acordou tarde da noite, tendo a impressão de ter caído em um buraco, avião ou se afogando em um mar revolto e escuro?

Muitos acreditam que sonhos ou pesadelos são nossos mais secretos anseios e temores. Tais sonhos são sugestões de experiências que vivemos no mundo real, e que nosso cérebro acaba dando aquela misturada para muitas vezes deixar tudo mais pavoroso. Quem nunca brigou com a namorada e teve um sonho amoroso com a mesma, que atire a primeira pedra.

É mais ou menos isso que vamos encontrar em Pesadelos e paisagens noturnas volume 1, livro de contos de Stephen King publicado originalmente em 1992. Não é um livro novo. No Brasil foi lançado pela Editora Objetiva em 1993. Anos depois ganhou uma nova versão com a capa acompanhando o novo layout das capas de Stephen King feitas pela editora.

Curiosamente o livro nos Estados Unidos foi publicado em um volume só. Pelas terras tupiniquins, são dois volumes. Para quem gosta de ter a estante cheia é um prato cheio. Pesadelos e paisagens noturnas, é o terceiro livro de contos de King. Sombras da Noite e Tripulação de Esqueletos foram seus antecessores. No prefácio o autor fala que Sombras é o desfecho de uma trilogia de contos e histórias de terror e suspense. A diferença entre as três publicações é de 7 anos.

Ao contrário dos outros dois títulos, este foi muito criticado por fãs, pelas histórias fracas e para muito meio bobinhas. Em termos de comparação, foi em Sombras da noite que King apresentou ao mundo Crianças no Milharal que inspirou o filme Colheita Maldita. Já em Tripulação de esqueletos temos O Nevoeiro, um dos contos mais perturbadores.

Mas o que levou Tripulação não ter o mesmo sucesso? Ainda no prefácio, King fala que em sua adolescência, sua imaginação fértil lhe dava uma certa inocência. Acreditava em tudo o que lhe diziam seja para o bem e para o mal.

Contos viraram DVD.

Em Sobre a Escrita, Stephen, fala que existe um elo, uma conexão entre o autor e o leitor. Deu como exemplo uma mesa com uma toalha vermelha em cima. Todos imaginaram esta toalha vermelha, bem como a mesa, porém com um tom de vermelho mais claro, mais escuro. Uma mesa maior, menor. Será que os críticos de Pesadelos e paisagens noturnas não estavam desalinhados com o texto e a proposta de King?

Neste primeiro volume, são 12 contos. Misturam terror, ficção e até humor. Como se pudesse existir humor ou risadas em um pesadelo as 3 da manhã de uma noite fria, com galhos de árvore secos batendo em sua janela.

O livro teve uma versão produzida pelo canal Warner, o que resultou em três DVDs com os principais episódios do livro.

O Cadillac de Dolan

O primeiro conto começa com um sugestivo provérbio espanhol: “A vingança é um prato mais saboroso se comido frio”. É mais ou menos aquele prazer de comer uma pizza fria que encontramos na geladeira em um domingo de manhã. Seu sabor, nos dá um prazer que não foi encontrado ou descoberto quando estava quente e vistosa.

Elizabeth viu demais, pagando com a vida seu anseio pelo certo. Restou ao marido Robinson, a dor de perder seu amor, a saudade das coisas que sequer foram vividas e a vingança pela pessoa que tanto lhe causou dor, Dolan.

Assim começa a história, que recebeu uma adaptação para o cinema. Robinson, segue Dolan a anos. Este um bandido que vive entre Las Vegas e Los Angeles. Dolan é poderoso, rico e não parece temer seus opositores. Já Robinson, é um pacato professor que passou os últimos anos sendo uma sombra do algoz da esposa.

Apresentei a questão como um problema puramente hipotético. Disse que estava tentando escrever um conto de ficção científica e queria que minhas medidas fossem corretas até a precisão. Cheguei mesmo a montar alguns fragmentos plausíveis da história. Fiquei bastante impressionado com minha própria inventividade.

Para tentar se vingar e seguir a vida, Rob arquiteta um plano para pegar Dolan, sem armas, sem sangue, apena um buraco, seu túmulo. Para pôr em prática, acaba trabalhando em uma empreiteira que realiza serviços de manutenção nas rodovias dos EUA, para o plano dar certo, tudo precisa ser perfeito. O plano é narrado de forma precisa, seus sucesso e possíveis falhas. As explicações técnicas, fazem o leitor estar do lado de Robinson, com seu capacete amarelo, brincando de engenheiro.

Rob não está sozinho, ao seu lado, lhe apoiando está sua esposa. Com uma voz suave, Elizabeth instiga o marido a pôr um fim em sua própria dor. Esta é a parte “sobrenatural” da história, ao contrário do filme, Robinson é uma pessoa sem alma. Desde que sua amada perdeu a vida, parou de viver, sua personalidade é apenas uma vaga lembrança. Ridicularizado por todos no colégio em que leciona, tudo o que quer, é Dolan e seu oponente Cadillac. Ele acorda, dorme, almoça pensando no seu inimigo.

A história é boa, tem momentos em que Robinson quase consegue o seu objetivo, a sequência em que ele se encontra com Dolan é muito bem escrita. A aflição de ser pego, de não deixar rastros, prende o leitor. O final pode até parecer óbvio, porém como ele chegou até lá é que faz valer a história.

O fim da confusão toda

Rivalidade de irmãos, não são novidade. Entre Howard Fornoy e Robert Fornoy, não seria diferente. Robert era o mais impetuoso da família, enquanto Howard o calmo. Não era ódio que um sentia pelo outro. Existia claro um carinho, um amor, mas Horward sempre tinha aquela ponta de inveja de Bobby, um gênio, e assim como todos os gênios, vivia em um mundo só dele.

Howard queria ter tido a inteligência do irmão, seu fascínio pelo novo, por se embrenhar nas mais diversas aventuras sem pensar duas vezes. Mas não tinha, era uma pessoa mais calma, ganhava a vida como escritor freelancer, enquanto Bob era um cientista. Não que ser escritor fosse um demérito frente ao irmão, pelo contrário. Howard gostava de Bob, mas sempre ficou em segundo lugar em tudo, e para muitos, ser segundo é ser o primeiro a perder.

Acho que pessoas como meu irmão Bobby surgem apenas uma vez em cada duas ou três gerações, pessoas como Leonardo da Vinci, Newton, Einstein, talvez Edison. Todos eles parecem ter uma coisa em comum: são como bússolas enormes que ficam girando sem direção durante muito tempo, procurando algum norte verdadeiro, e então se dirigem para ele com uma força de meter medo. Antes que isso aconteça, essas pessoas são capazes de surgir com umas merdas estranhas, e Bobby não era exceção.

Em suas andanças pelo mundo, Bob descobriu algo que pode mudar o mundo, acabar com guerras, doenças e todo o ranço que aos poucos vai minando a população da terra. Mas esse “santo remédio” não seria mais maléfico do que benéfico? Mesmo assim Howard foi ajudar o irmão, pois é o que irmãos fazem.

O que Bob teria descoberto? Qual o impacto disso para a humanidade?

Que sofram as criancinhas

Crianças sempre tiveram sua imagem associada ao demoníaco. Não apenas nos livros de King. Se formos buscar alguns exemplos temos, participações mirins em O Iluminado, O Cemitério e A Incendiária. Apenas para lembrar de alguns.

Senhorita Sidley, uma recatada senhora, ops! Senhorita, era aquele tipo de professora que, por conta do seu tamanho diminuto, tinha em seu olhar e palavras a imposição sobre as crianças. Era temida, os pequenos a respeitavam de uma forma surreal no mundo de hoje.

Robert era diferente. Sentado de forma perfeita na primeira fileira, o menino de tão correto era assustador, e foi mais ou menos assim que Sidley acabou descobrindo. O pequeno tinha alguma coisa no rosto, em suas feições. Não era ele.

Foi então que as sombras se modificaram. Pareceram alongar-se, deslizar como melado gotejante, assumindo umas estranhas formas encurvadas que fizeram a senhorita Sidley se encolher de encontro às pias de louça, o coração inchando no peito.

A imagem do pequeno se transformando, causou pânico a pequena professora. Ela estaria tendo alucinações, muito por conta das intermináveis dores nas costas? Ou seu aluno, realmente escondia alguma coisa? Nos dias seguintes, as dúvidas só aumentavam, e o pavor também.

O conto é curto, rápido e sem rodeios. Trata de um tema polêmico nos EUA, escolas e mortes. Ao contrário de Rage (Fúria), que foi banido do catálogo do autor, a história deste conto acaba tendo o ponto de vista dos adultos. O final nem sempre é tão óbvio quando parece.

O Piloto da Noite

Jornalista são destemidos, jornalistas veteranos, são como perdigueiros, acabam achando notícia até em uma xícara de café vazia. Assim era Dees. Repórter da revista Inside View, especializada no sobrenatural, mortes e tudo que expelisse sangue, grande quantidade de sangue.

A pauta da vez era um assassino em série. Ao contrário do padrão para este tipo de elemento, o modo que suas vítimas eram encontradas intrigava a todos. Estavam totalmente sem sangue e com dois furos no pescoço.

Um vampiro? Um Zumbi? Eram mais dúvidas do que respostas. Outra particularidade intrigava a polícia e Dees. O assassino, apelidado de Piloto da Noite, matava apenas pessoas em aeroportos remotos dos EUA e pilotava seu próprio avião.

Quero uma foto sua, seu desgraçado, pensou Dees. Agora podia enxergar as luzes de aproximação, brilhando bem brancas no crepúsculo. Pegarei sua história no devido tempo, mas em primeiro lugar, a fotografia. Só uma, mas preciso consegui-la.

Como bom jornalista, Dees começou sua caçada ao bandido. Seguiu seus instintos, precisava de uma foto, até para tirar da cabeça que seria algo bizarro e não apenas um fã do Conde Drácula.

Finalmente o astuto repórter conseguiu chegar ao local do crime. O encontro foi inevitável, a foto seria feita sem grandes problemas, mas algo acabou acontecendo. Não era um simples assassino.

Popsy

Quando vendemos nossa alma ao diabo, precisamos pagar da melhor forma possível, mesmo que para isso precisamos fazer coisas que vão totalmente contra nossa vontade. Quase sempre é assim.

Sheridan fez essa escolha. Vendeu a alma para pagar suas dívidas de jogo. O valor? Raptar crianças para um Turco, que tinha o singelo apelido de Senhor Mago. O que ele fazia com as crianças, não era da conta de Sheridan.

Ele estava devendo, e tinha que pagar. Mesmo que a repulsa por pegar crianças pequenas era grande, precisava fazer. Ou era isso, ou o pagamento seria seu corpo, sem vida em cima de uma mesa.

Naquele dia, o pagamento estava fácil. Uma criança de 5 ou 6 anos, perdida em um shopping. Bastava mostrar confiança que ela iria cair em seus encantos e entrar no seu carro. Sheridan acreditava que crianças pequenas eram bobas.

Levou o menino para o furgão, que tinha 4 anos e estava pintado com um azul discreto. Abriu a porta e sorriu para o garoto, que levantou os olhos para ele com um ar de dúvida, os olhos verdes dançando no seu rostinho pálido, tão enormes como os olhos de uma criança abandonada numa pintura de veludo, do tipo que era anunciado em tablóides semanais baratos como The National Enquirer e Inside View.

O menino falou com uma voz chorosa que tinha perdido seu Popsy. Sheridan, acreditava que era algum brinquedo, urso de pelúcia ou um cachorro, ou até quem sabe um amigo imaginário. Crianças dão nomes esquisitos a seus mascotes.

Para concretizar seu plano, bastava o garoto entrar em seu furgão. Com um ar inocente, assim o fez. O que aconteceu lá dentro?

Este foi o conto que mais me remeteu pavor. Se crianças são frequentemente usadas para assustar, também podem causar pavor pelo que pode acontecer. Quem é pai e mãe vai entender o que estou dizendo.

A gente se acostuma

Lendas nascem de conversas simples de pessoas simples. Assim era a rotina na Nova Inglaterra. Seja em bares, lojas ou qualquer lugar que tenha mais de duas pessoas, de preferência antigas, as histórias aconteciam, mentiras se transformavam em verdades.

Em qualquer cidade do interior, existe aquela casa, para muitos fantasmagórica. Essa era o espírito que rondava a Casa dos Newall em Castle Rock. Ninguém gostava daquela imponente construção. Seja pelo seu dono, Joel Newall, ter feito fortuna na cidade vizinha de Gates Falls, ou porque a casa era feia mesmo.

A casa era grande, e com o passar do tempo, Joel aumentava mais e mais. Não seria estranho se apenas ele e a mulher morassem lá. Após a morte de ambos, e de Joel ter perdido tudo, por conta de má gestão das suas empresas e a quebra da bolsa de 1929, ninguém comprara aquela casa.

Em janeiro de 1921, Cora deu à luz um monstro, sem braços e, ao que se dizia, um pequeno punhado de dedos perfeitos saindo de uma das cavidades oculares. Morreu menos de seis horas depois de contrações inconscientes terem empurrado para a luz seu rosto vermelho e sem raciocínio. Joe Newall acrescentou à ala uma cúpula 17 meses depois, no final da primavera de 1922 (na parte ocidental do Maine não há início da primavera, apenas final da primavera e o inverno chegando). Continuou a comprar fora da cidade e não queria ter nada a ver com a loja de Bill “Brownie” McKissick. Ele também jamais havia cruzado o portal da igreja metodista da Curva. O bebê disforme que tinha escorregado do ventre de sua mulher havia sido enterrado no lote dos Newall em Gates em vez de Homeland. A inscrição na pequena lápide dizia

SARAH TAMSON TABITHA FRANCINE NEWALL

14 DE JANEIRO DE 1921

PERMITA DEUS QUE ELA REPOUSE EM PAZ

Estava lá parada, oponente e ao mesmo tempo feia, tão feia que todos acabaram se acostumando. Fechada por tantos anos, alguns moradores juravam que a casa estava novamente em construção depois de tantos anos morta. Seria verdade ou apenas conversa de bar?

A dentadura mecânica

Brinquedos tem vida. Muitas vezes, não pelas pilhas e engrenagens. Ganham vida sem grandes explicações. E nem sempre voltados para o mal. Foi isso que descobriu Hogan, ao entrar naquele posto empoeirado.

Quinquilharias se amontoavam, em um ambiente que não era limpo a muito tempo, talvez pela região ser frequentemente assolada por tempestades de areia e por preguiça de seus donos, Scooter e sua grande esposa.

A rotina tinha acabado com o casamento dos dois. Scooter era magro e estava doente, mesmo assim era um bom sujeito. Sua esposa, Myra era a estressada do casal. Mesmo assim tinham uma vida.

Scooter se encantou por uma dentadura mecânica. Grande e imponente. Com dentes brancos e grandes que poderiam facilmente machucar alguém. Só tinha um problema. Estava quebrada. Mesmo assim resolveu levar para seu filho, quem sabe poderia arrumar quando chegasse em casa.

A dentadura era o único artigo no balcão que não estava embalado, mas era mesmo gigante, pensou Hogan. Na verdade, supergigante, cinco vezes o tamanho de exemplares de dentaduras de dar corda que tanto o tinham entretido quando era um garoto crescendo no Maine. Caso se tirassem os pés de brincadeira, ela pareceria os dentes de algum gigante bíblico abatido: os molares eram grandes blocos brancos e os caninos pareciam estacas de barraca afundadas nas gengivas de plástico de um vermelho exagerado. Uma chave se projetava de uma das gengivas. Os dentes eram mantidos apertados por meio de um elástico grosso.

Quando estava indo para o carro, um jovem com cara de poucos amigos, lhe pediu carona. Hogan não era de dar caronas, mas a proximidade da tempestade de areia, parecida um bom argumento, mesmo sabendo que acabaria em tragédia.

Este conto faz parte do filme “A maldição de Quicksilver”, produção de 1997 que também reproduz o conto “The Body Politic” de Clive Barker.

Dedicatória

Qual mãe não quer seu filho tendo sucesso na vida? Principalmente depois de sair viva de um casamento sem sentido? Esta é a vida de Martha Roswall, camareira do Le Palais, um dos hotéis mais sofisticados de Nova York.

Martha tem um filho, e o prazer da escrita tinha lhe fisgado. Tinha escrito seu primeiro livro, e dedicado a Martha. Nada mais justo, um filho dedicar seu trabalho a pessoa que sempre esteve estará ao seu lado. Mas não é assim que tudo funciona às vezes.

— Era uma mulher esquisita como nunca tinha visto. Não tenho a menor ideia, até hoje, da sua idade. Ela podia ter 70, 90 ou 110. Tinha uma cicatriz rósea e branca que subia pelo lado do nariz para a testa e entrava pelo cabelo. Parecia uma queimadura. Tinha repuxado o olho direito para baixo de maneira que parecia que ela estava piscando. Estava sentada numa cadeira de balanço, com o tricô no colo. Entrei e ela falou: “Tenho três coisas para lhe dizer, mocinha. A primeira é que você não acredita em mim. A segunda é que o frasco que você encontrou no casaco de seu marido está cheio de heroína Anjo Branco. A terceira é que você está na terceira semana com um bebê do sexo masculino ao qual dará o nome do seu pai natural.”

Cansada de apanhar do marido, Martha acabou indo se consultar com uma mulher, ela tinha vários “significados”. Bruxa, feiticeira ou apenas vidente. Era aquele tipo de mulher que previa o futuro e ninguém acreditava, mas mexia com o imaginário das pessoas naquelas redondezas.

Mama Delorme era seu nome. Morava em um apartamento escuro e fedendo a mofo, mas sabia das coisas. Previu coisas a Martha, que acabaram se concretizando. Falou também que o pai do seu filho, não era o único homem da sua vida. Como se Martha nunca teve outro homem do que o bêbado do Johnny Rosewall?

O dedo semovente

Ter aquela sensação de estar sendo observado o tempo todo é algo que incomoda muita gente. Se percebemos que uma pessoa faz isso já é complicado, imagina um dedo? Howard Mitla era uma pessoa simples, com um casamento tranquilo. Tinha um bom emprego, mesmo achando que poderia ganhar mais.

Não tinha vícios, ou alucinações. Mas naquele dia a noite, ouviu algo se mexendo no banheiro. Poderia ser um rato, uma barata. Era um dedo, um dedo grande saindo pelo ralo da pia.

Vou me livrar de você, meu amigo, pensou de repente. O sentimento que acompanhou esse pensamento foi de raiva, raiva pura e simples, e o deixou contente. A emoção cruzou por sua mente sacudida e confusa como um daqueles enormes quebra-gelos soviéticos que esmagam e cortam o caminho através de massas de placas de gelo com uma facilidade quase distraída. Vou pegar você. Ainda não sei como, mas vou pegá-lo.

Como um dedo pode estar saindo dali, com os mesmos trejeitos de uma cobra naja? Apontando para Howard. Só podia ser uma alucinação. Sua esposa, Violet Mitla, não iria acreditar ou morreria de histeria, quando visse. O pânico começou a tomar conta de Howard. Mesmo ele não querendo pensar naquilo, era só abrir a porta do banheiro que o dedo saia alegremente do ralo, olhando para seu amigo.

Um plano para tirar o dedo do ralo, ou da sua cabeça precisava ser feito. Seria só um dedo ou um corpo inteiro?

Par de tênis

Banheiros são assustadores por natureza. Nunca sabemos quem está dentro dos boxes. O máximo que se sabe é o tipo de calçado que a pessoa usa. Tênis, chinelo ou social. Isso fala muito da personalidade de uma pessoa.

John Tell conseguiu um emprego na Tabori Studios, e como todo ser humano precisava ir no banheiro. O melhor para não perder tempo era o do terceiro andar. Era um local calmo e raramente cruzava com alguém. Tal tranquilidade começou a mudar quando, Tell começou a perceber que a mesma pessoa, usando o mesmo tênis ocupava o mesmo box todas as vezes que ele estava lá.

Que droga, pensou Tell e deu um risinho. O camarada que tinha aberto a porta com força, quase fazendo-o gritar de susto, tinha ido para as pias. Agora o barulho que fazia ao ensaboar e enxaguar as mãos parou por um instante. Tell podia visualizar o recém-chegado à escuta, tratando de saber quem estava rindo por trás de umas das portas fechadas das cabines, perguntando-se se seria uma piada, uma foto pornô ou se o homem era apenas doido. Afinal de contas, havia muitos doidos em Nova York. Viam-se o tempo todo, falando sozinhos e rindo sem nenhum motivo aparente… como Tell tinha acabado de fazer.

O tênis era velho e sujo, não se mexia. Independente da hora que John ia ao banheiro, o par de tênis estava lá. Isso começou a causar um desconforto, uma sensação de perseguição. De quem eram? Por que nunca se mexiam?  John iria descobrir da pior forma.

Sabe, eles têm uma banda dos diabos

Viagens são boas, principalmente ao lado de quem amamos. Foi assim que Mary e Clark resolveram pegar a estrada para curtir um pouco a vida de casados. Os anos juntos já produziram aquelas caras e bocas de qualquer casal, principalmente quando Clark, todo dono de si acabava se perdendo.

As discussões eram evidentes, mas sempre com aquela reconciliação regada a beijos e olhares amorosos. A vida deles era assim. Todas as viagens tinham uma boa trilha musical, baseada em clássicos do Rock.

Tudo ia bem, seria apenas mais uma vez que Clark se perderia, a diferença era o tipo da estrada, literalmente dentro do mato em que se enfiaram. No final, depois de muito medo de ficar atolados, em um lugar inóspito, visualizaram uma cidade.

A cidade era uma jóia perfeita, aninhada num vale raso e pequeno como uma covinha num rosto. Sua semelhança com os quadros de Norman Rockwell e as ilustrações de cidade do interior de Currier & Ives era, pelo menos para Mary, irrefutável. Tentou dizer a si mesma que era apenas a geografia: o modo como a estrada descia em curvas até o vale, o modo como a cidade estava rodeada por uma floresta verde-escura — léguas de pinheiros velhos, de troncos grossos, crescendo numa profusão ininterrupta para lá dos campos ao redor. Mas era mais do que a geografia, ela achou que Clark também sabia disso. Havia algo tão carinhosamente equilibrado nos campanários das igrejas, por exemplo: uma na ponta norte do centro da cidade e outra no extremo sul. A construção pintada de vermelho como um celeiro, na direção leste, tinha que ser a escola pública, e a grande construção branca do lado oeste, com uma torre de sino no alto e uma antena parabólica de um lado, tinha que ser a prefeitura. As casas particulares tinham todas uma aparência arrumada e aconchegante, o tipo de moradia que se via nos anúncios de casas dos sonhos nas revistas de antes da Segunda Guerra Mundial como The Saturday Evening Post e American Mercury.

Não era uma cidade comum, estava no meio do nada, era toda bonita, perfeita demais. Mesmo assim precisavam chegar a um lugar com telefone, comida e ajuda. Ao adentrar lá, tudo remetia a rock, nome de lojas, ruas e as pessoas, vestidas com roupas características de roqueiros.

Existia algo diferente no ar. Mary e Clark reconheciam a maioria dos moradores, o que não foi algo reconfortante.

Parto em casa

Não podia faltar um conto envolvendo zumbis. Maddie Sillivan era uma mulher indecisa, mas também muito amorosa com o marido Jack Pace. Viviam em uma ilha. Jack era pescador e tinham uma vida tranquila, até sua morte.

A vida seguiu seu curso, Maddie grávida, começou uma nova vida sozinha e ainda de luto. Tudo mudou quando o cemitério da ilha, começou a ganhar vida. O maior problema além dos zumbis começarem uma matança, era os moradores da ilha matar seus parentes já mortos.

Usando uma japona pesada com capuz e com as calças e as botas cheias d’água, Jack Pace afundara como uma pedra. Eles acabaram por enterrar um caixão vazio no pequeno cemitério na extremidade norte da ilha Jenny e o reverendo Johnson (em Jenny e em Alta Menor você tinha uma opção quanto à religião: podia ser metodista ou, se isso não fosse do seu agrado, podia ser metodista não praticante) tinha oficiado perante esse caixão vazio como o fizera perante tantos outros. O ofício terminou e, aos 22 anos de idade, Maddie se viu viúva com um pão no forno e ninguém para lhe dizer onde estava a roda, muito menos quando encostar o ombro nela ou até onde empurrá-la.

Não seria nada fácil, mas tudo acabou se resolvendo, ou se acreditou que estava. Qual o papel de Maddie neste contexto? Quem teria que voltar a matar. Sua indecisão para tudo iria ajudar ou piorar a situação?