O Piloto de Pijama

4 de abril de 2016 0 Por Fernando Rhenius
(Foto: Emerson Platkevicius)

(Foto: Emerson Platkevicius)

A cena é comum. Homem ou menino chega do trabalho ou da escola. Joga sua bolsa no sofá, ou após um banho se senta na frente do computador. Não ligou ele para trabalhar, acessar o Facebook ou ver os gols da rodada.

Ajeita a cadeira e começa o “trabalho”. A escolha é difícil. Porsche ou Ferrari? Protótipo ou monoposto? Não importa. Naquele momento tanto o menino quando o homem vira piloto. O local também pouco importa. Pode ser em Monza na Itália, Le Mans na França ou em alguma pista fictícia. O objetivo é claro, vencer, correr se distrair.

O mercado de jogos em especial os de corrida vem aumentando ano após ano. Com títulos cada vez mais realistas, simuladores utilizados por pilotos profissionais e até equipes estão cada vez caindo mais no gosto de pessoas normais, ou como dizem pilotos de AV.

Paranaense de Curitiba, Tarso Marques Lima compete ou joga “desde sempre”. Suas lembranças remetem aos 6 anos quando o automobilismo floresceu em sua vida. “Desde pequeno assistia corridas. Sempre quis trabalhar com corridas, e quando comecei a ver a telemetria no GP2, busquei me informar mais e fiz faculdade de eletrônica, já pensando no automobilismo. ”

O automobilismo virtual é um dos segmentos do lucrativo mercado de jogos que mais cresce no mundo. Desde 2008, a Nissan, montadora japonesa, firmou parceria com a Playstation e criou o programa GT Academy, que, por meio de torneios on line, seleciona jovens aspirantes a pilotos para quem sabe integrar as equipes reais da Nissan pelo mundo.

Desde então, três pilotos oriundos das pistas virtuais conseguiram resultados nas pistas reais. O belga Wolfgang Reip, que conquistou as 12 horas de Bathurst, em 2015. O espanhol Lucas Ordones venceu em 2013 o Blancpain Endurance Series e Jordan Tresson, francês que aos 17 anos conseguiu o título na categoria GT4 no mesmo campeonato.

Por conta da paixão, Tarso acabou enveredando para o meio automobilístico e hoje além dos jogos on line, tem como hobby a fotografia. Seu “campo de ataque” é autódromo de Pinhais, em Curitiba. Também é chefe da equipe Friato Racing team, que disputa a Copa Petrobras de Marcas.

As provas on line, acontecem geralmente nos finais de semana. Dependendo da liga, reúne de 20 a 30 jogadores com provas que variam de 30 minutos a eventos como 24 horas de duração. Neste caso, como no mundo real existe, um revezamento entre pilotos e até três jogadores dividem um carro.

Além da prova em si, existe toda uma coordenação que não deve nada aos eventos “de verdade”. Além de transmissões feitas por vários canais do Youtube, existem comissários que analisam os pilotos para que não ocorram irregularidades enquanto a corrida acontece. Caso haja alguma irregularidade, punições são aplicadas. Dependendo da liga, os pilotos vencedores recebem premiações como medalhas, troféus. Nas organizações mais abonadas, a premiação é em dinheiro ou equipamentos de informática. Porém, para a maioria o simples, fato de vencer já é o suficiente, como no caso de Tarso que partiu para sua jornada de 2 horas.

Mas nem tudo são flores. Como a maioria dos homens são casados, eles precisam conciliar a jogatina com compromissos matrimoniais. Rodrigo Rocha, descobriu o automobilismo virtual há pouco mais de um ano. Desde então, investiu cerca de 2 mil reais em computador (antes do aumento súbito do dólar), volante e demais acessórios. Tudo pelo prazer de tentar simular como seria a vida em um carro de verdade. “O automobilismo virtual me possibilitou pilotar em pistas que antes só conhecia pela televisão. O realismo é enorme e muitas vezes termino as corridas cansado.” Mesmo tendo a rivalidade nas pistas, Rocha fez amigos em todos os cantos do Brasil. “Tenho mais amigos virtuais do que reais. ”

Ao lado de Rodrigo, há quase 10 anos, a esposa Priscila sofreu com o súbito interesse do marido por corrida. “Todos têm que ter um hobby. Mas para isso não se deve largar a família.” Após inúmeras discussões, chegaram a um consenso: fizeram uma tabelinha com horários para conciliar os jogos e família. Com a testa franzida, sabe que veem bronca: “Antes dele começar a jogar ele me pergunta se pode. Sabe que deve acabar antes que eu chegue da faculdade. ”

Mesmo com as regras dentro de casa, o uso frequente de jogos pode indicar algum problema psicológico, como explica a psicóloga Rita de Cássia. “Muitas vezes o indivíduo busca compensações ou faltas, sendo elas, afetivas, emocionais, em geral, as quais lá atrás ficaram com algum “vazio”. Preenchem-se pelo ato de jogar compulsivamente. Se o indivíduo é impedido de jogar, se torna agressiva, rebelde. A pessoa é dominada por uma excitação, uma expectativa, seja ela de sucesso ou de fracasso, ganhar ou perder. ”

Em muitas situações o jogador não percebe que está viciado o que requer um tratamento, nos mesmos moldes para quem luta contra a dependência das drogas. “Quando chega neste patamar entra a necessidade de tratamento onde é preciso que a pessoa sinta que precisa de ajuda e que queira esta ajuda. Não conseguirá sair da situação sozinha. A psicoterapia irá trabalhar com a ansiedade do jogador compulsivo e as dificuldades internas que o ato do jogar encobre, esconde. Serão analisadas situações de abandono na infância, hostilidade, agressividade, medos, insegurança. ”