VAVEL entrevista: Ricardo Grilo, jornalista português sobre o Mundial de Endurance
28 de janeiro de 2017O Mundial de Endurance ou apenas FIAWEC, vem despontando como um dos maiores campeonatos automobilísticos do mundo. Com um alto teor tecnológico na classe LMP1, vem conquistando seu espaço, desde sua criação em 2012.
A temporada 2017, com sua primeira prova em abril no circuito de Silverstone na Inglaterra, não vai contar com a Audi. O tradicional fabricante, presente nas provas de longa duração desde 1999, cancelou seu programa esportivo, por conta dos escândalos envolvendo motores a diesel do grupo VW, nos Estados Unidos.
Para esta temporada, apenas Porsche e Toyota estarão alinhando seus protótipos na classe LMP1. Entre as equipes privadas, a ByKolles, confirmou sua participação. Sem chances de vencer as montadoras, o time que tem apenas um protótipo, com aspiração para mais um, deve ser um mero coadjuvante.
Se os incentivos propostos pela ACO e FIA, para atrair fabricantes e equipes para a classe, não surtiu o efeito desejado, algo muito positivo acontece na classe LMP2. Antes, um destino certo para pilotos amadores e aspirantes, hoje um reduto de grandes nomes, oriundos de outras categorias. Mesmo com apenas quatro construtores homologados (Oreca, Onroak, Dalarra e Riley), o interesse das equipes foi grande, mesmo setores da indústria e imprensa condenarem a limitação de construtores por conta da organização da categoria.
A classe GTE, tanto na subdivisão PRO, quanto AM, vem angariando o interesse das montadoras. Porsche, Ford, Aston Martin, Ferrari e Corvette (competindo apenas em Le Mans), terão a companhia da BMW em 2018.
Equipes oficiais, muita tecnologia e cada vez mais pilotos de ponta abraçando o certme. Mesmo com bons representantes brasileiros, Pipo Derani, Bruno Senna, Fernando Rees, Nelson Piquet Junior e Lucas di Grassi, o WEC, tem o devido valor por esses lados. Culpa muitas vezes de uma imprensa que privilegia apenas a Fórmula 1 e que conhece apenas Fórmula 1, e custa aceitar e principalmente entender que existe vida fora dos muros da categoria.
Em sua primeira entrevista a um veículo de imprensa brasileiro, e com exclusividade para a VAVEL Brasil, o jornalista português Ricardo Grilo, tece um panorama favorável, sobre o Mundial de Endurance.
Grilo, que é comentarista do canal Eurosport em Portugal, se especializou na cobertura de provas de endurance e GT. Atualmente participa das transmissões das 24 horas de Le Mans, Mundial de Endurance e Blancpain GT Series.
Também é autor de dois livros, “Américo Nunes – O Senhor dos Porsche” e “Kiko Ribeiro da Silva – A História Incompleta de um Grande Piloto“. Tem como hobby, uma grande coleção de miniaturas em escala 1/72.
VAVEL: O Mundial de Endurance chega a sua sexta temporada. Em 2012, se temia que um novo acordo entre ACO e FIA, não iria durar muito, vide o que aconteceu no passado com o grupo C. Hoje é seguro afirmar que o WEC veio para ficar?
Ricardo Grilo: Com Jean Todt à frente da FIA, o equilíbrio de forças ficou muito diferente do tempo de Jean Marie Ballestre ou Max Mosley, tornando quase impossível a repetição de algo parecido com o que resultou no fim do Grupo C. Sempre acreditei que o Mundial de Endurance era imprescindível para o automobilismo, e que a FIA teria todo o interesse que ele renascesse. E passados estes primeiros anos, parece claro que o FIA WEC voltou para ficar.
VAVEL: Para 2017, a principal classe do certame, a LMP1, perdeu duas equipes: Audi e Rebellion Racing. Por outro lado, a LMP2, mesmo com apenas quatro construtores homologados, vem angariando mais equipes do que a LMP1. Essa predileção por construtores, em detrimento as equipes privadas, uma característica do Endurance, pode estar matando aos poucos a classe LMP1?
Ricardo Grilo: Os construtores são muito importantes para a credibilidade do campeonato. No entanto, por via do regulamento, talvez tenha sido negligenciada a presença de equipas privadas na classe LMP1, com uma diferença muito significativa em termos de performance. Assim as equipes buscaram outras alternativas (LMP2, GT3, etc), perdendo “a segunda linha” que asseguraria o espetáculo no caso dos grandes falharem.
Felizmente, o panorama parece estar se invertendo, com os pequenos construtores como a Ginetta ou a BR (SMP Racing) e diversas equipes privadas, interessadas nas alterações do regulamento que as deixará mais perto das equipes oficiais, sendo provável que em 2018 possam surgir três ou quatro equipes privadas que poderão mudar o cenário da classe LMP1. Ou mesmo cinco equipes, se a Joest regressar com um projeto próprio, eventualmente derivado do Audi R-18 de 2017. Além da previsível melhoria da competitividade da equipa ByKolles, com a chegada do motor Nissan VRX30A biturbo de 3 litros, proveniente do modelo LMP1 de 2015.
VAVEL: A ACO, com a limitação de construtores envolvidos na classe LMP2, tentou atrair mais equipes para a classe LMP1. Mesmo com benesses para 2018 com asa móvel, e maiores garantias de vitória para essas equipes no “geral”. Porque não houve essa migração?
Ricardo Grilo: Não houve essa migração porque, entre outras coisas, o regulamento do LMP1-Privado foi anunciado muito tarde. As mudanças irão valer a partir de 2018.
Mas acredito que a motivação do ACO não tenha sido a promoção da classe dos LMP1 Privados. A limitação dos construtores na LMP2 será a consequência de uma política de protecionismo que era desconhecida a este nível de campeonatos do mundo. No meu entender, seria o mercado que deveria determinar quem vendia mais carros e não o regulamento. Mas se encararmos a LMP2 como uma classe secundária “Pro-Am” isto pode ser aceitável, desde que haja uma classe LMP1 próspera para disputar os lugares da frente. O que por momentos parece não acontecer.
Resta o problema do ELMS e AsLMS, onde a classe principal é a LMP2 das 4 marcas eleitas. Esta limitação parece-me algo pobre para uma competição de nível continental, dificultando até a promoção das provas.
VAVEL: O Weathertech Sportscar Championship, vem atraindo mais equipes de fábrica do que o WEC. Em sua classe principal temos Cadillac, Nissan e Mazda. A Mercedes já esboçou interesse em alinhar protótipos na série. Não seria a hora da ACO, aceitar abrir as portas destas equipes para que participassem da classe LMP1?
Ricardo Grilo: Seria fantástico. Na minha opinião a classe LMP1-Privado deveria mudar o nome para LMP1-Light e passar a aceitar os DPi americanos que quisessem vir a Le Mans. E até os GT500 japoneses, carros que rodam facilmente nos tempos dos LMP1-Privados. Mas este meu sonho parece ser difícil de se concretizar, no panorama atual onde não faltam candidatos para participar das 24 horas de Le Mans.
VAVEL: A Algarve Pro Racing, se sagrou campeã do Asian Le Mans Series, temporada 2016/2017. A Araujo Competição, vai começar a construir os protótipos LMP3, em parceria com a ADESS AG. Vários pilotos de renome como Filipe Albuquerque, João Barbosa e Pedro Lamy, envolvidos em programas de fábrica. Portugal está despontando com uma potência no endurance ou ainda é cedo para afirmar isso?
Ricardo Grilo: Portugal é um país pequeno e representa um mercado pequeno. Muito dificilmente poderá vir a ser uma grande potência no endurance. Aliás, durante muitos anos, – entre a revolução de 1974 e 1996 – foi um tipo de competição quase completamente esquecida, sem nenhum piloto participando de provas de Sport-Protótipos e GT. O panorama apenas mudou em 1996 com a tentativa (falhada) dos irmãos Mello-Breyner competirem em Le Mans com um Porsche 911 GT2. A partir daí despertaram a consciência de que havia vida além da F1 e que, ao contrário do que era vendido por aqui, havia alternativas válidas para belas carreiras desportivas (e profissionais) fora dos monopostos. Logo em LM 1997 os irmãos Mello-Breyner conseguiram cumprir o seu sonho e o Pedro Lamy que saíra da F1, estreou com o Porsche 911 GT1 da equipe Schübel.
O movimento nunca mais parou. Pilotos como Lamy, mas também com o João Barbosa (campeão dos EUA em conjunto com o Christian Fittipaldi), Filipe Albuquerque, Álvaro Parente (campeão PWC nos EUA) e muitos outros.
E temos também o Eduardo Freitas como diretor de prova em Le Mans e no restante WEC. Um cargo que nos dá muito orgulho.
No caso das equipes e marcas o processo tem sido muito mais lento. Houve a Quifel-ASM que venceu o LMS em 2009 e agora a Algarve Pro Racing vencedora do AsLMS. O caso da Adess é interessante porque o construtor de LMP3 trocou a Alemanha por Portugal. Mas é uma empresa pequena e os resultados ainda não se notam.
Sejamos realistas: temos sol, somos simpáticos e recebemos bem os estrangeiros. Mas ficamos num canto da Europa, longe de tudo e estamos em uma crise económica e financeira (pelo menos) desde 2008. Na realidade acho que até estamos muito bem, em termos relativos.
Como o Brasil também está muito bem. No passado tiveram um campeão do mundo de endurance (Raul Boesel) mas agora têm um bom número de excelentes pilotos como o “Pipo” Derani, o Lucas di Grassi ou o Christian Fittipaldi. E até o Rubens Barrichello que após ter sido 2º em Daytona em 2016, vai regressar, num LMP2 ao lado de Jan Lammers.
Além de terem um campeonato nacional com sport-protótipos feitos localmente que me deixam com uma pontinha de inveja. Grande país!
VAVEL: Um dos pontos mais polêmicos e controversos é o Balanço de Desempenho (BoP) nas classes GT. Ele é realmente necessário? Ou serve para privilegiar a equipe que menos desenvolve seus carros?
Ricardo Grilo: Podemos sempre ver pelos dois lados. De fato, beneficia os construtores menos competentes, pois nivela o andamento de carros obsoletos com os carros de última geração. Mas permite um espetáculo acrescido com benefícios para a modalidade. Já fui mais contra do que sou agora. Embora reconheça que há grandes injustiças e mentiras, com algumas equipes tentando enganar a comissão que determina o BOP e com carros “quase-clássicos” superando modelos de última geração.
VAVEL: O WEC, tem provas em países com pouca ou nenhuma tradição no endurance como Shanghai e Bahrein. Estas provas são realmente importantes para a expansão que o WEC pretende. Ou é uma falta de interesse de outros países europeus?
Ricardo Grilo: Para ter uma dimensão mundial o WEC tem que sair da Europa. Se o Japão é uma presença tradicional e indiscutível, no caso da China, sem qualquer tipo de tradição, fica mais difícil de aceitar pelo lado dos entusiastas, embora se justifique pelo lado das marcas que vêm na China um grande mercado onde precisam promover seus produtos. Já o caso do Bahrein me parece mais estranho: mercado pequeno e tradição zero. Seria a primeira prova que retiraria do WEC, trocando por Kyalami ou algo no gênero.
Mas, nos meus sonhos, a prova que falta mesmo é Sebring, onde o mundial começou em 1953 e onde recomeçou em 2012. É certo que não possui as mesmas condições de um circuito moderno assinado por Herman Thilke. Mas o GP do Mônaco também não possui e mesmo assim é a prova mais importante da Fórmula 1. Em termos de imagem e prestígio seria muito interessante.
VAVEL: A BMW, confirmou sua volta ao WEC pela classe GTE-PRO para 2018. Com a criação do Mundial de GT, a ACO espera mais fabricantes. Lamborghini e McLaren, já esboçaram um súbito interesse. A classe GTE, pode roubar equipes da LMP1?
Ricardo Grilo: Acho que não. Cada classe tem a sua filosofia e pretende transmitir uma mensagem diferente. Quem quer promover diretamente determinado modelo corre nos GTE Pro. Quem quer promover a imagem e a capacidade tecnológica de um fabricante, corre nos LMP1.
VAVEL: A classe GT3, vem despontando com sua grande variedade de fabricantes e campeonatos ao redor do mundo. Não chegou a hora da ACO autorizar esses carros a competir em Le Mans, e não apenas em uma prova preliminar?
Ricardo Grilo: Já autoriza, no Michelin GT3 Le Mans Cup – prova preliminar, com uma hora de duração disputada no circuito de Le Mans, na manhã que antecede as 24 Horas!
Agora mais a sério, apesar da enorme divulgação de nível internacional, julgo que as 24 Horas de Le Mans não precisam dos GT3 nem os construtores desejam que estes possam competir. Uma das diferenças é que os GT3 têm o desenvolvimento congelado em cada ano e os LM GTE podem ser desenvolvidos ao longo da temporada. O que trava o interesse tecnológico dos GT3, mais direcionados para equipes privadas.
VAVEL: Porsche e Toyota, serão os protagonistas do WEC em 2017. Os japoneses, que fizeram boas corridas em 2016, perdendo Le Mans por pouco, estão prontos para bater de frente com o fabricante alemão?
Ricardo Grilo: Certamente que sim. E com mais possibilidades que nunca de vencer em Le Mans. Mas por outro lado, os rapazes de Zuffenhausen não são conhecidos por facilitar os triunfos dos adversários. Vai ser um ano duro e apaixonante, apesar de ser uma temporada de transição, enquanto se aguardam os novos LMP1 e GTE Pro de 2018.
O futuro parece brilhante.