Resenha: O cemitério de Stephen King
11 de agosto de 2016Cuidado com o que desejas. Esta frase resume bem o espírito do que está contido no livro O cemitério de Stephen King, editado no Brasil pela editora Suma de Letras. É um dos trabalhos mais aclamados que originou o filme Cemitério Maldito de 1989.
A história por trás do livro
Muitas lendas se formaram por conta desta obra que foi lançada em 1983. O livro que segundo o autor, “não deveria ser lançado”, pois considerava o assustador demais, ganhou as livrarias mais por imposição da editora Doubleday, que na época tinha os direitos de publicação do que por sua própria vontade.
O manuscrito tinha ficado muitos anos guardado nas profundezas do seu escritório, e mesmo aprovado por esposa Thabitha, King acabou autorizando sua publicação. Como represália nunca promoveu o livro em seminários, muito menos na época do lançamento.
A inspiração para a obra remete a 1978, quando se mudou com a família para Orrington, no Maine. Sendo professor, morava perto de uma rodovia movimentada que sempre foi alvo de preocupação da esposa. Com filhos pequenos as chances de uma tragédia eram grandes. Não foi um dos filhos de King que perdeu a vida na estrada, foi o gato de sua filha, Smucky. Para mostrar que se importava com o animal e a dor da filha, o bichano foi sepultado em um cemitério para animais nas redondezas. O local já era antigo e para chegar, se fazia necessário passar por uma trilha.
“Louis continuava a afagá-la. Certo ou errado, acreditava que a filha chorava pela inevitabilidade da morte, pelo fato de a morte ser tão incompatível aos argumentos ou às lágrimas de uma menina. Acreditava que Ellie chorava por sua cruel imprevisibilidade e devido à a maravilhosa e terrível capacidade que têm os seres humanos de transformar símbolos em conclusões que podem ser belas e generosas ou extremamente sinistras. Se todos aqueles animais estavam mortos e enterrados, então Church podia morrer…” Página 53.
Sendo um local calmo, passou a ser um dos redutos de King para leitura e absorção da natureza. Dali veio a ideia de criar a história. Como preparação, o autor pesquisou os tramites de processos funerários e conversou com médicos para “aprender” expressões e o dia a dia da profissão.
Mesmo não gostando e entregando o livro a contragosto para os editores, O Cemitério venceu mais de 650 mil exemplares em capa dura no primeiro ano. Ganhou uma versão para o cinema com o próprio Stephen King fazendo as vezes de padre. Seja no filme ou no livro a história é pesada, mexe com os leitores. Até hoje é um dos trabalhos mais inquietantes de sua biografia.
A história
Todo o enredo gira em torno da família Creed. Louis o pai, médico, decide se mudar com a família para Ludlow, Nova Inglaterra. Rachel, esposa e mãe de Ellie e Gage o caçula. Louis aceitara a vaga de médico do hospital da Universidade do Maine, buscando um lugar mais calmo do que a cidade Chicago.
O local da próxima morada, uma casa típica da Nova Inglaterra. Quantos grandes, ambientes confortáveis, uma grande garagem e uma área verde para o divertimento dos filhos. Tinha apenas um porém. A casa margeava a rodovia 95, movimentada rodovia que era um imã para tragédias. Como seus filhos eram pequenos, Gage tinha 2 anos, todo cuidado era pouco.
Em seu primeiro dia na nova casa, a família é surpreendida por Judson Grandall, octogenário que “salva” a filha Ellie, após ser picada por uma abelha. A partir dali começou uma sincera amizade entre Jud e Louis. O médico era uma pessoa pacata, de poucas palavras e por vezes tímido. Não tinha muitos amigos e o jeito interiorano de Jud meio que o cativou.
Sua mulher, Rachel era mais “ativa”, opinativa e de gênio forte. Formara uma dupla com o pacato médico, tanto no relacionamento, quanto no tratar com os filhos. Eram uma família perfeita. Até então.
(…) achamos que só as mulheres são boas para segredos e acho que elas guardam alguns. Mas qualquer mulher, qualquer mulher que entenda um pouco da vida poderia lhe falar que nunca conseguiu ver o que realmente se passa no coração de um homem. O solo do coração e um homem é mais empedernido, Loius… como o solo que existe lá em cima, no velho campo onde os micmacs enterravam seus mortos. Perto da superfície há logo uma rocha… mas um homem planta o que pode … e cuida do que planou. Página 147.
Tentando ser um bom vizinho, Jud mostra o terreno e a redondezas para os novos amigos. Uma trilha no meio do mato, bem definida desperta a tração de todos, e quando toda a mudança estivesse organizada, prometera levar todos para o destino daquela mini estrada.
E assim se fez. O caminho levava a um cemitério de animais. A placa dizia “simitério”. O local a anos era o destino de cachorros, gatos, peixes e qualquer pet das famílias da região. O ambiente tinha um ar suspeito, carregado. Calafrios, mesmo no dia quente em que foram deixaram todos com um ar intrigado. Menos a crianças que correram por tudo. Jud contou detalhes dos animais enterrados ali e o destino de seus tristes donos. Por mais mórbido que fosse um cemitério, o passeio foi divertido.
As coisas começaram a mudar quando um dos pacientes do Dr. Louis, que sofrera um acidente e perdera a vida em seus braços, aparece em seus sonhos o advertindo a nunca ultrapassar os limites do cemitério, sob pena do terror, morte e tudo de mal nortear sua vida e família. Mesmo parecendo um sonho, o pavor toma conta de Louis, que acorda com os pés cheios de barro. Teria sido um sonho? Ou ele realmente esteve acompanhado de um fantasma?
Sonho ou não o pensamento povoou sua mente por vários dias. A vida da família começa a mudar no dia que Church, gato, de Ellie morre atropelado na Rodovia 95. O bichano acaba tendo como destino final a porte da casa de Jud. Vendo a aflição de Louis, em ter que contar para a filha que seu gato tinha ido dessa para uma melhor, resolve fazer algo que acabaria transformando os meses seguintes em um verdadeiro inferno.
Acreditando que levaria o gato para ser enterrado no cemitério, Jud leva o amigo pela trilha. A princípio Louis o segue. Sendo um médico, qualquer coisa além de fatos baseados na ciência não tinham qualquer valor. O destino era outro. Além do pequeno cemitério um paredão de arvores caídas, a trilha continuava. Seu destino? Um sombrio cemitério Micmac, tribo indígena que sumiu a muitos anos. O local carregado com uma pesada energia, escondia um segredo. Quem era enterrado lá voltava a vida.
(…) talvez ela aprenda alguma coisa sobre o que a morte realmente é: o ponto em que a dor cessa e as boas memórias começam. Não é o fim da vida, mas o fim da dor. Você não vai lhe dizer isto, é claro, ela pode descobrir por si mesma. Página 173.
Assim, Church, o gato voltava a vida, não como antes. Agora carregava um ar sombrio, olhos sem vida e um cheiro fétido. A partir daí o destino de todos começa a mudar. A história chega o seu climax com a morte do pequeno Gage, que deixa o pai totalmente obcecado em trazer o filho de volta a vida.
É ou não um bom livro?
O Cemitério é uma das principais obras de King. Quem viu o filme, não vai se arrepender de ler o livro. Com suas 423 páginas, é uma leitura rápida, que acaba lhe deixando realmente intrigado com os acontecimentos.
Por se tratar de um livro de morte, a dor de quem fica é fielmente retratada. As páginas sobre o fim da vida de Norma, mulher fiel do velho Jud são emocionantes, King faz qualquer cético se emocionar de como Jud encara a perda da mulher com quem viveu por anos e anos. O companheirismo, os hábitos simples de um casal que se amava, independente das dificuldades do dia a dia, se vai de uma hora para outra. Esta talvez seja uma das partes mais tocantes do livro.
(…) Jud era como um asteroide sendo corroído pela erosão, perdendo a maior parte da sua massa, minguando, tornando-se pouco mais do que um grão de poeira. O passado. Fotografias num álbum. Histórias antigas contadas em quartos que talvez parecessem quentes demais para eles. Eles não eram velhos, não havia artrite em suas juntas, o sangue deles não tinha enfraquecido. O passado eram alças de caixões a pegar, erguer e depois largar. Afinal, se o corpo humano era um envelope para guardar a alma – carta de Deus para o universo, como muitas igrejas ensinavam, o caixão da American Eternal era um envelope para guardar o corpo. Para aqueles primos ou sobrinhos jovens e fortes, o passado era apenas uma carta não reclamada a ser arquivada. Página 223.
Mas a quantidade de óbitos não para em Norma. Seja no hospital no qual Louis trabalha, ou nos acontecimentos da morte de Gage, a óbvia dor de quem perde um filho, um filho pequeno, que tem uma vida pela frente é narrada de forma triste. Quem é pai e mãe vai se identificar e sofrer com Loius e Rachael. A pequena Ellie também tem sua dor retratada. Por muito tempo o terror, as sombras e o medo do escuro, são deixados de lado. A dor da perda é que move a história.
Ele tem seus momentos de terror, típicos de Stephen King é claro. Aquela sensação de entrar em um ambiente desconhecido, apenas ouvindo vozes e luzes desconexas, realmente nos deixa com medo. Se você não viu o filme não o veja antes de ler o livro, pois a riqueza de detalhes é muito superior.
A briga de Loius com o sogro chega a ser épica. Quem tem sogros que não aprovaram o casamento da filha, vão adorar as discussões e a briga durante o enterro de Gage. Stephen soube dramatizar muito bem a realidade de muitos casais, que se casam jovens, sem uma aprovação dos pais da noiva. Se estão errados em se juntar contra o consentimento dos pais, que a vida ensine.
Não tem como não creditar a Loius o status de personagem principal. Sem entendimento do mundo e das suas próprias crenças muda com o decorrer da história. Como um médico vai acreditar em ressurreição? Este conflito interno, a quebra de ideologias cimentadas em sua cabeça, é contada com um primor sem igual. Tamanha mudança deixa Loius fora das sua faculdades mentais e aquele ar de “Deus” que muitos médicos tem, acaba sendo leva a um novo patamar. Ele acredita que recebeu a oportunidade de mudar o fator real das coisas, e isso terá um preço.
Rachael também tem um papel determinante na história. Dona de casa, a conta os sonhos dos pais, tem opinião forte, muitas vezes mais forte do que a do marido. Um sério trauma de infância que se passou ao lado da irmã mais velha, lhe atormenta nos dias de hoje e que nem seu marido sabe direito. O final é pode parecer óbvio e nos faz refletir se tudo o que realmente desejos nos faz bem e até onde iriamos pelo amor da nossa família
A obra explora a dor e a tira colo temos o terror. Sem dúvida umas das melhores obras de King. E pensar que ela estava fadada a ficar em uma gaveta.
Tradução: Mário Molina
Suspense e Ficção
ISBN: 9788581050393
Lançamento: 01/05/2013
Formato: 16 x 23
Peso: 654 gramas
424 páginas
Referência bibliográfica
KING, Stephen. Sobre a Escrita. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. 255 p. v. 1.
KING, Stephen . O Cemitério. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. 424 p. v. 1.
HENDRIX, Grady. The Great Stephen King Re-read: Pet Sematary. [S.l.: s.n.], 2013. 5 p. v. 1. Disponível em: <http://www.tor.com/2013/01/24/the-great-stephen-king-re-read-pet-sematary/>. Acesso em: 11 ago. 2016.
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