O terror dos anos 80 de Cesar Bravo em VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue
14 de fevereiro de 2021Conheci Cesar Bravo por acaso. Em 2017, recebi um e-mail da editora DarkSide Books me presenteando com um livro. Como tinha feito algumas resenhas, decidiram me ofertar. Eu poderia escolher qualquer título da editora. Não pensei duas vezes. Optei pela biografia de Stephen King.
Dias depois recebi a resposta que a edição estava esgotada. Para me ajudar, uma lista de livros foi enviada junto. Títulos conhecidos que eu já tinha alguns. Mas um nome a chamou a atenção. “Ultra Carnem”, do autor até então desconhecido para mim, Cesar Bravo.
Sabe quando descobrimos um objeto, uma caixa ou até mesmo um livro, e não devemos abrir? Pois é. Foi assim com aquele livro. Como bom jornalista, decidi pesquisar. Cesar tinha vários contos disponíveis no site da Amazon, sempre com bons comentários. Ultra Carnem seria o primeiro trabalho impresso. Não pensei duas vezes, escolhi o livro preto e tudo mudou.
Um terror clássico sem aquela coisa de objetos se mexendo sozinhos às três horas da manhã. Um humor ácido, histórias que se interligavam. Foi a primeira vez que dei gargalhadas em um livro de terror. O autor estava aprovado.
Ávido por conhecê-lo, o entrevistei e esperei por novos livros. Demorou, mas saiu.
E o VHS?
VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue contém 18 histórias presentes que se passam na melhor década, os anos 80. Ter um videocassete na época era para poucos. Mas o aparelho se popularizou e o modo que assistíamos televisão mudou completamente.
Este é o ponto de partida para histórias estranhas e assustadoras. Muitas lendas urbanas foram criadas naquele tempo e são retratadas no livro. Tudo acontece em uma cidadezinha chamada Três Rios, no interior de São Paulo.
Cidades do interior são estranhas. Três Rios não seria diferente. Reze para nunca para lá por engano ou falta de gasolina. Pode ser a última vez que será visto, com sorte, vivo. Os povos desses lugares provincianos são estranhos, guardam segredos e gostam de tradições bem ortodoxas.
Quem se opõe, bem…. Os contos seguem uma sequência. Muitos nomes e lugares se repetem. Se um sujeito morre em uma história, descobrimos os meandros no outro. Para se localizar, existe um mapa da região no começo do livro, bem como notícias, recortes de jornal de fatos estranhos que aconteceram na cidade. Lê-los é de suma importância para compreender os acontecimentos macabros do local.
Além das pessoas sombrias, um dos pontos centrais de Três Rios, é um matadouro que vai muito além de sacrificar animais. O mal começa ali, e se espalha pela cidade como raízes de uma árvore. Diria que Três Rios é a Castle Rock brasileira, bem mais sangrenta.
Termos comuns dos anos 80 estão presentes em todos os contos, desde músicas, carros, filmes e trejeitos. Foi muito bom relembrar aquela época, mesmo que de uma forma tão sombria. Não existia internet, influenciadores que influenciam só eles mesmos e tudo era mais devagar e novo.
Dois contos considero os melhores, não pelo quesito terror, mas respeito envolvendo pais e filhos. O “Talheres de Ossos do Rei Invertebrado”, narra a relação entre um pai traficante e um filho que o ama incondicionalmente.
Os dois têm um laço muito forte, independente dos negócios escusos do pai. O amor de pai e filho transcende certas atitudes. Os dois sabem disso e não se importam. Apesar do texto ter muito sangue e respostas para perguntas de outros contos do livro, Cesar transformou uma história sobre a iniciação de um filho na vida do crime, em um exemplo mesmo que estranho de respeito, algo raro nos dias atuais.
Já “Whey Protein” é o oposto. Dizem que filho segura um casamento, esse “segurar” pode custar caro, e quem paga é o elo mais fraco da corrente. Quando uma mulher some, o marido sempre é o principal suspeito. Ainda mais se pegar o amor da sua vida na cama com outro.
Quando se ama se perdoa, e é aí que as coisas começam a desandar. Cassiano era o corno, o humilhado e o descartável. Dayse era o cão em forma de mulher. O amor nunca é igual entre um casal. Dayse transformou um homem apaixonado em um ser rastejante e vassalo.
Apesar do péssimo relacionamento, o filho acabou se tornando alvo das provocações contra o marido. O adolescente começou a aparecer com manchas roxas e nos casos mais extremos, queimaduras de cigarro.
Tudo tem um limite. Ver o filho sofrendo calado foi demais para Cassiano. A mulher antes amada, se torna inimiga e a história toma contornos surpreendentes. O questionamento que fica é o que um pai faria para defender seu único filho.
Cesar foi muito feliz nas duas histórias. Nada de monstros, espíritos ou objetos voando. O mal e o amor caminham juntos, mesmo que por vias tortuosas. O mal está dentro das pessoas e aflora em certos momentos.
Classifico esses dois contos, como uma reflexão do ser humano em seu limite do terror incubado, só esperando a chance de aflorar.
E o Livro?
Em se tratando da Dark Side, sempre aparece coisa boa. As primeiras páginas com instruções para usar o videocassete foram geniais. Relembrar aquelas etiquetas de colar na fita, o espaço para escrever o conteúdo, é de uma nostalgia ímpar. Ajustar o trekking da TV, coisas que hoje parecem jurássicas, dão um ar de manual de instruções.
Se recomendo o livro? Muito!!! Seja pelas histórias se passarem pelos anos 80 ou pelo universo criado por Cesar que continua em seu próximo livro “DVD: Devoção Verdadeira A D.”. Bravo é um escritor de terror raiz, direto e com uma escrita que flui. O livro pode ser facilmente lido em poucos dias, pois uma história puxa outra.
Quer saber como era o terror dos anos 80? “Assista” VHS.
Ficha técnica:
Edição | 1ª Ed. |
Editora | Darkside |
Data de publicação | 09/12/2019 |
Ano de publicação | 2019 |
Tipo de capa | Livro capa dura (hardcover) |
Dimensões do produto | A 23 cm / L 16 cm / P 3 cm / 500 gr |
Número de páginas | 288 |