Resenha: Coração Assombrado de Lisa Rogak

14 de novembro de 2017 0 Por Fernando Rhenius

(Foto: Fernando Rhenius)

Se tivesse a oportunidade de fazer uma única pergunta a Stephen King seria a questão que ele mais odeia responder: “De onde você tira suas histórias?” Ele não sabe, elas apenas aparecem na sua cabeça, e o resto nós já sabemos…

A biografia escrita por Lisa Rogak não entrou apenas no coração de Steve. Fez uma varredura em sua vida, medos, desejos e problemas. Rogak escreveu Coração Assombrado em 2008, desenterrando um passado um tanto quanto comum para a maioria das pessoas. Traçou o retrato de uma pessoa com medos e traumas, assim como seus leitores.

King não nasceu rico. Teve que conviver com as privações de quem não tem dinheiro. Viu sua mãe, principal incentivadora, trabalhar desde cedo em lugares que pagavam pouco. Resignado com o destino, encontrou na escrita e nos monstros da sua cabeça e vida a válvula de escape para falar com as pessoas e com ele mesmo.

O maior trauma, a maior decepção foi não ter crescido ao lado do seu pai. Donald King abandonou a família. Em declaração ao Dream Makers em 1979: “Eu realmente acho que escrevo para mim mesmo, mas parece haver um algo na direção do qual tudo isso é despejado. Sempre me interessei por essa ideia de que muitos autores de ficção escrevem para seus pais porque seus pais se foram”. Se Donald King não tivesse ido, Stephen seria o homem que vendeu mais de 350 milhões de livros, e um dos autores mais ricos do mundo segundo a revista Forbes?

Com tantas dificuldades em seus primeiros anos de vida, encontrou na escrita um refúgio. Lisa conta em detalhes, os anos vivendo com a mãe e o irmão mais velho, a luta para se alimentarem e as intempéries de quem vive nos subúrbios do Maine.

A narrativa é rápida. Com uma grande quantidade de citações do autor, o trabalho de pesquisa realizado por Lisa é primoroso. Além do próprio, amigos, colegas do ensino médio, faculdade e do universo literário traçam o perfil de Stephen. São unânimes. Mesmo rico, nunca perdeu os modos simples e desejos comuns. Com uma fortuna avaliada em mais de 400 milhões de dólares, hábitos como caminhar com seu cachorro, dirigir seu carro usado e ser extremamente consciente com o dinheiro nunca mudaram. Mesmo assim o dinheiro pode proporcionar luxos como casas, viagens e filantropia.

Sereno nos anos 2000 e assustador nos 80. Ao lado de Molly a “Coisa do Mal” e depois do acidente de 1999. (Fotos: Divulgação)

Quem leu Sobre a Escrita Dança Macabra vai se familiarizar com alguns eventos, como as drogas, o acidente que quase o levou para o além e algumas passagens da sua vida de celebridade, vida que sempre tentava escapar de todas as formas. A biografia vai além. Passagens sobre seu problema com as drogas é tenso. King sempre relacionou e nunca escondeu que o sucesso dos primeiros trabalhos, foram ocasionados pelo alto consumo de cocaína e álcool. Esta dependência foi um divisor de águas em sua vida. Após sofrer uma intervenção, resolveu abdicar do vício. Credita seu sucesso ao pulso firme de Thabita King, esposa desde os tempos de faculdade e que o “aguentou” em todos os momentos.

“À parte as ressacas que se esticavam pelas tardes, enquanto ele vestia sua máscara de mestre do horror para o público e de despreocupado para a família, ele estava começando a temer que a bebida e o pó estivessem afetando o trabalho. A saraivada de críticas à Os Estranhos já era um alerta”. Página 173.

Para quem quer “estudar” a obra de King, a biografia traz passagens das suas principais obras, processos de criação e referências, o que traz uma triste realidade para os fãs do autor. A quantidade de obras inéditas é imensa. Trabalhos dos anos 80 e 90, sequer tiveram edições no Brasil. Uma cronológica dos livros lançados no país, também está presente. As polêmicas envolvendo adaptações para o cinema, brigas com editoras, e a mágoa que perdurou por vários anos, por ter suas obras classificadas como baixa literatura.

“Apesar de seu sucesso em quase vinte anos como dezenas de livros publicados, Steve ainda enfrentava bloqueios. “Para mim, muitas vezes o verdadeiro impedimento para começar a trabalhar – chegar à máquina de escrever ou do computador – se inicia antes de chegar lá. ” (…) Página 197

Descrever um dos maiores nomes da literatura contemporânea não caberia a qualquer autor. Lisa Rogak é responsável por traçar perfis de Dan Brown, Dr. Robert Atkin e Stephen Colbert. Foram através das suas mãos que pensamentos de Bill Gates, Barack e Michelle Obama e o Papa Francisco foram impressos.

Coração Assombrado foi um dos primeiros livros publicados pela DarkSide Books em 2013. Para comemorar os 70 anos de King, a editora lançou uma nova edição “espirrando sangue”. Com um vermelho intenso o coração do mestre está em evidência na capa. A tradução é de Cláudia Guimarães.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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