“Os atores sempre vão trabalhar contra o preconceito” (Renata Sorrah)

23 de janeiro de 2022 0 Por Fernando Rhenius

Lutas raciais e celebração das diferenças. Estes são os motes do espetáculo Preto, que abriu ontem à noite, com lotação máxima no Teatro Municipal, o 6º Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha. A peça, que põe o dedo numa ferida que infelizmente continua atual, tem no elenco a atriz Global Renata Sorrah, que contracena com os atores Cássia Damasceno, Felipe Soares, Grace Passô, Nadja Naira e Rodrigo Bolzan. Ontem, depois da coletiva que os atores concederam para a imprensa, Renata Sorrah e Cássia Damasceno conversaram com o DIARINHO. Falaram sobre racismo, respeito e política.

O espetáculo Preto parte da visão de como uma mulher negra enxerga o racismo no país, como a sociedade lida com as diferenças e como o cidadão se vê em uma sociedade marcada pela desigualdade. Inquieto, o espetáculo mistura diálogos com performance, música, dança, artes visuais, literatura e antropologia.

DIARINHO – O espetáculo Preto trata da temática do racismo e o Brasil parece viver num paradoxo. De um lado, mais pessoas assumem sua negritude e aumentam os debates sobre preconceito étnico. Por outro, crescem também as manifestações racistas, incluindo ataques feitos pelas redes sociais. Nessa disputa quem está ganhando? 

“O fato de ter um festival aqui em Itajaí é a prova de há um movimento de resistência” (Cássia Damasceno)

Renata Sorrah – Bom, eu espero que essa agressividade das redes sociais não ganhe nunca. Eu espero que o teatro ganhe, a cultura, arte, o afeto, o amor […]. Não é possível o Brasil continuar assim. Cássia Damasceno – A gente faz nossas escolhas para que ganhe essa discussão de respeito ao outro. Como a Renata falou há pouco, precisamos escolher pelo afeto, seja lá o que você for fazer. Se usar a rede social, use de uma forma positiva. Renata – A rede social é ótima, mas quando sem diálogos de violência, de ódio. Isso é insuportável.

DIARINHO – Renata, você politicamente sempre foi muito discreta, mas nas últimas eleições presidenciais manifestou seu voto em Fernando Haddad. A campanha eleitoral trouxe à tona falas do hoje presidente Jair Bolsonaro que foram consideradas racistas e desrespeitosas aos negros. Você, nas eleições, já atuava na peça Preto. O tema racismo ajudou você a decidir o voto?

Renata Sorrah – Não. Não precisou, foi um somatório de coisas. Não tive nenhuma dúvida. Não precisei pensar, já estava certo. Cássia Damasceno – Foi muito lógico saber quem te representa e quem não nas eleições. Não tive dúvidas sobre essa questão. Eu acredito que o candidato Haddad tinha questões de educação muito fortes, que é o que nos interessa, em relação a qualquer discussão, não só no racismo. Pensar em educação… Ele era uma proposição de diferença, de mudança. Renata Sorrah – Ele é um professor…

“Este sempre foi o papel dos artistas: jogar luz, mostrar caminhos, afeto, amor, reflexão, discussão…” (Renata Sorrah)

DIARINHO – Parte da classe artística diz temer censuras e a arte costuma sempre ser a primeira a pagar o preço nesses casos. Vocês acreditam que essa censura virá? E, se vier, virá do estado ou virá de uma parte da população?

Renata Sorrah – Essa censura não vai vir. Cássia Damasceno – Nós estamos trabalhando diariamente para ter resistência. O fato de ter um festival aqui em Itajaí, é a prova de um movimento de resistência. Renata Sorrah – Com peças incríveis, não vai vir (censura) não. Cássia Damasceno -É uma forma de sensibilizar as pessoas que não estão conectadas com essas demandas.

DIARINHO – Um vereador de Itajaí apresentou denúncia no MP contra uma propaganda do sabão em pó que mostrava crianças brincando e se sujando e que passava a mensagem de que não há diferenças em brincadeiras entre meninas e meninos. Já na vizinha e conhecida Balneário Camboriú, um vereador se manifestou publicamente contra um cartum da Turma da Mônica, a que chamou de “demoníaco” porque mostrava que o Cebolinha queria uma boneca de presente de Natal. Esse tipo de situação já chegou nos palcos? Os artistas de teatro e as produções teatrais já começaram a sofrer esse tipo de ataque também? 

Renata Sorrah – Olha, a classe teatral, a cultura, ela sempre foi contra o preconceito. Os atores vão estar trabalhando em cima de um palco, no cinema, no que for, sempre contra o preconceito.

Cássia Damasceno – A gente tenta trabalhar a arte como uma forma de sensibilizar. A população que está direcionada para imagens de TV, ela não vê outro tipo de informação para se influenciar. Não pensam sobre um tipo de comportamento, ficam repetindo muitas vezes falas de outros. Nossa proposição é sempre sensibilizar e evitar, cada vez mais, a discriminação, porque na verdade é compartilhar, abrir espaços para todos.

Renata Sorrah – Tem que vir pelo afeto para todas as pessoas. Se é diferente por causa de gênero, por causa de cor, religião, você tem que ter afeto. A gente é a favor do afeto entre as pessoas. Somar! É o que a Cássia sempre diz: estamos fazendo o Preto para somar, receber, acolher as pessoas. É para ter amor pelas pessoas. Cassia Damasceno – Aprender a dialogar sendo diferente.

DIARINHO – Onde entra o artista e o teatro na construção de um mundo mais fraterno, mais respeitoso e mais democrático? Qual o papel que vos cabe? 

Renata Sorrah – Desde a Grécia, este foi o papel do teatro, este sempre foi o papel dos artistas, de jogar luz, mostrar caminhos, afeto, amor, reflexão, discussão (…). Cássia 

Damasceno – Eu penso assim: hoje mais do que nunca as pessoas são responsáveis no local onde elas estão de sensibilizar outros para haver diálogo. (…) Todos nós, seres humanos, temos a responsabilidade de mudar o pensamento que está equivocado na sociedade, não podemos delegar sempre na mão de alguém. Faz parte da nossa arte, porque estamos em contato diariamente. Renata Sorrah – Você é um jornalista. E está fazendo perguntas para nós duas, que eu espero que sejam o que você pensa e, se é, está de parabéns. O artista sempre foi assim…de jogar luz nas pessoas.

Serviço

Programação
 de hoje Mostra Nacional: Chão de Pequenos, da Companhia Negra de Teatro (MG) Local: Teatro Municipal de Itajaí, às 20h Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) 

Onde assistir as apresentações: O 6º festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha, que começou ontem e terá 12 dias de atrações, já é um dos mais importantes do país. Além de duas peças convidadas, a curadoria selecionou 20 atrações. Destas, sete são espetáculos montados por grupos locais e dois de Florianópolis. Os demais grupos virão de Minas Gerais, São Paulo, Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul.

As apresentações acontecem na Casa da Cultura Dide Brandão, na Itajaí Criativa – Residência Artística, Teatro Municipal e nas ruas do centro da cidade. O evento oferece 10 espetáculos gratuitos para o público. Apenas os espetáculos que acontecem no Teatro Municipal serão cobrados. A maioria terá custo de R$ 20 (inteira). Só as entradas da apresentação de ontem, de abertura, com a atriz Renata Sorrah, e de encerramento, com o Grupo Galpão, ficam no valor de R$ 40 (inteira). As apresentações gratuitas terão as entradas distribuídas uma hora antes do início do espetáculo

 Como agendar escolas? Escolas, entidades e instituições públicas e privadas podem agendar a participação de alunos nos espetáculos do festival. Há vagas para turmas interessadas em assistir peças no período noturno. Os responsáveis deverão ficar atentos à classificação etária das apresentações e a idade dos alunos visitantes. Para agendamento, é necessário entrar em contato com a organização por meio dos telefones (47) 99994-1553 e 9 9990-1516.

* Entrevista originalmente publicada no jornal Diário do Litoral, no dia 02 de maio de 2019.